Carreira e Educação

O perigo mora ao lado

de Redação em 11 de setembro de 2014
Psicopatas empresariais / Crédito: iStockphoto
Crédito: iStockphoto

O personagem Norman Bates, gerente do Hotel Bates, do filme Psicose, é à primeira vista um homem atencioso e prestativo. Poucos imaginam que, por trás daquele perfil, aparentemente sereno, esconde-se uma pessoa com transtorno de identidade capaz de matar. Assim como Bates, há muitos exemplos de profissionais que escondem ou tentam encobrir as consequências de suas psiques no ambiente de trabalho. O perigo mora ao lado. Quem nunca se sentiu ameaçado, ou intimidado, por um colega, ou chefe, que tem personalidade opressiva e violenta?

Uma pesquisa da Universidade British Columbia reforça a ideia de que não conhecemos nossos colegas de trabalho. O estudo aponta que quase 4% da população mundial é constituída de psicopatas. Nas corporações, muitos deles chegaram ao topo. De acordo com o levantamento, entre CEOs e altos executivos esse número pode chegar até a 16%.

Como a cultura de uma empresa tende a ser top to down, quais as consequências de tê-los no comando delas? De que forma o mundo corporativo pode evitá-los? E, em caso de inevitável contratação, como lidar com eles? A MELHOR conversou com psiquiatras, especialistas, coaches e consultores em recursos humanos para entender o tema e esclarecer essas e outras dúvidas.

Adauto da Rosa Faria / Crédito: Divulgação
Faria, do Hospital Albert Einstein: psicopata não tem conciência da doença / Crédito: Divulgação

Quem são eles?
A medicina comportamental o define como um indivíduo clinicamente perverso, que tem personalidade com distúrbios mentais graves, que usa, manipula e ilude. Não se importa com os danos que causa a outras pessoas, não consegue controlar seu próprio comportamento, e troca qualquer planejamento pela possibilidade de seguir seus impulsos.

Na opinião do Dr. Adauto da Rosa Faria, médico psiquiatra responsável técnico em serviço de saúde mental, do Hospital Albert Einstein, a primordial característica de um psicopata é o “sujeito que sofre, faz sofrer e não muda com as experiências”. Trata-se de uma pessoa que tem o comportamento social marcado pela frieza, maldade, sede de poder, narcisismo e agressividade. “Ele tem dificuldade para manter vínculos afetivos, e pode ter atitudes histéricas e obsessivas”, completa. Para o especialista, o psicopata tem uma conduta violenta, como se observa em filmes que abordam o tema, que está vinculada à sociedade competitiva e suas demandas quase desumanas.

Faria salienta que o mundo corporativo está pautado pela agressividade e é uma fábrica potencial de psicopatas. Ele relata que é comum atender pacientes com depressão, síndromes de burnout e do pânico, causadas pela extrema pressão e perseguição — sintomas proporcionados por um chefe psicopata. “Normalmente esse comportamento está ligado a falcatruas, lucros excessivos, levar vantagens, tirar o mérito dos outros. É um traço de uma personalidade patológica. O psicopata não tem consciência da doença e, por isso mesmo, para um RH, é muito difícil perceber esse comportamento em qualquer processo seletivo”, explica.

Em geral, é preciso regredir alguns anos na história do psicopata para achar a raiz do problema. “Todo desvio de comportamento é advindo da formação da personalidade que se fixa até os sete anos de idade. A maioria dos executivos que participa dos nossos trabalhos tem histórico de excesso do uso de autoridade em relação ao vínculo afetivo [pais]”, diz Luiz Fernando Garcia, CEO da Cogni-MGR, empresa especializada na modificação de comportamento de líderes. O executivo explica que a personalidade instalada no psicopata é a perversa. “A estrutura perversa não é um desvio de conduta, é um transtorno que não reconhece conscientemente a proibição. Esse tipo tem relações superficiais e seus vínculos são funcionais. É sedutor, engana bem e é inteligentíssimo”, relata.

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Higino Pizzo Rodrigues / Crédito: Divulgação
 Higino Pizzo Rodrigues: processo de R&S com alinhamento de valores / Crédito: Divulgação 

Sensibilidade com o tema
A diretora de Projetos Especiais na Thomas Case & Associados, Rebeca Toyama, acredita que o principal fator para identificar um colaborador com esse perfil é a sensibilidade. “Tanto o gestor de RH quanto a própria organização devem estar atentos e sensíveis [ao assunto]. Quando o profissional entrega mais malefícios do que benefícios, algo vai mal”, observa . Para a executiva, uma exacerbada competitividade ou a necessidade extrema por reconhecimento podem produzir um clima ruim para a organização. “É nessa hora que o gestor deve entender que algo precisa ser resolvido.”

Mas e quando o problema está no topo da pirâmide? Como observado na pesquisa Universidade British Columbia, boa parte daqueles que apresentam essa patologia são os líderes das companhias. De acordo com Rebeca, como muitos gestores padecem desse mal, isso facilita o comportamento de egocentrismo — os fatos negativos são um ataque pessoal e as vitórias são únicas e exclusivas atribuídas aos esforços desses gestores.

Rebeca salienta que esse colaborador não virou psicopata quando se tornou líder, a liderança não deixa as pessoas ruins, malvadas; o comportamento é consequência da personalidade formada. “Quando entro em uma organização para sanar um problema desses, o ponto é: como esse profissional chegou a um cargo de liderança? A empresa tem de rever algumas questões, pois permitiu que um colaborador com esse perfil chegasse a um cargo de liderança”. Para ela, a principal reflexão é entender como o líder acima dele admitiu a promoção.

Como detectar um psicopata na equipe
De acordo com Higino Pizze Rodrigues, coach especializado em relações de trabalho, “perceber pessoas muito vaidosas, contraditórias, calculistas e frias é um dos indícios para o RH detectar possíveis personalidades psicopatas”. O coach destaca que o grande problema é que a maioria das empresas acha que algumas dessas características são boas (ao negócio), sem olhar os possíveis danos futuros. Para fugir dessas contratações, Rodrigues recomenda que no processo de seleção haja um alinhamento entre os valores da empresa e dos colaboradores.

Luiz Fernando Garcia / Crédito: Divulgação
Garcia, da Cogni-MGR: observar as referências do candidato / Crédito: Divulgação

Por sua vez, Garcia, da Cogni-MGR, enfatiza que um perverso não se abate — o grande trunfo deles num processo de recrutamento e seleção. “Isso porque separar desvio de conduta de transtorno de conduta é muito difícil. Um neurótico obsessivo pode ter um traço perverso, mas não é psicopata. É uma linha tênue”, indica. Para Garcia, o psicopata não segue regras e as usa apenas a seu favor, de modo a conquistar a confiança dos recrutadores. A melhor forma para evitar que um psicopata seja contratado é investigar a vida deste profissional, obtendo informações do seu histórico. Porém, alerta Garcia, essas referências devem ser obtidas com os gestores do emprego anterior e não só com colegas de trabalho.

Pode-se dizer que o ambiente corporativo disponibiliza a gasolina para que os psicopatas apareceram. Não dá para desassociar o comportamento profissional do pessoal o tempo todo; com o poder e os cargos, os sintomas da patologia ficam mais aparentes. É o que acredita Faria, do Hospital Albert Einstein. Para ele, é muito difícil as empresas se livrarem desses perfis. “No fundo, elas buscam isso”, diz. “Se o ambiente é propício, um RH só vai dar conta do problema após o sujeito ter feito sérios estragos em busca de metas e competição. Mesmo em processos de seleção sofisticados, é praticamente impossível diagnosticar um psicopata em potencial”, completa.

O médico psiquiatra destaca que só após o acontecimento de vários episódios é que a instituição vai perceber, entender e tomar as providências a respeito da situação. “É complicado, pois o profissional pode performar, trazer lucros, mas contaminar o ambiente”, reflete.

Para evitar que esses profissionais entrem nas organizações, Rebeca da Thomas Case & Associados, é enfática ao afirmar que, além da utilização de boas ferramentas de recrutamento e seleção, há outros itens a serem observados. Segundo a executiva, enquanto o RH atuar longe da estratégia, dos valores, da cultura, da missão e da visão da corporação, profissionais não saudáveis, desengajados e ineficientes vão continuar sendo admitidos e criar problemas. “É temerário um gestor fazer uma contratação (muitas empresas passam por cima do departamento de RH e contratam pessoas indicadas). Isso é tarefa de um RH profícuo”, salienta.

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Rebeca Toyama / Crédito: Divulgação
Rebeca, da Thomas Case& associados: é preciso sensibilidade para lidar com a questão / Crédito: Divulgação

Ética do mundo corporativo
A competição nem sempre muito ética do mundo corporativo, em busca de resultados positivos, faz com que as empresas fechem os olhos para certas atitudes comportamentais negativas, tornando a identificação de psicopatas missão quase impossível. “Ou seja, se a frieza e a perversidade estão trazendo bons resultados, acabam sendo toleradas”, explica o coach Higino. “No início, a performance dessa pessoa pode ser aceita, mas com o tempo vai degradar o ambiente. Dentro do planejamento estratégico e dos valores da empresa, em algum momento as consequências desastrosas não serão aceitas e a realidade virá à tona. Portanto, deve o RH da empresa aceitar esse tipo de profissional?”, questiona.

Apesar das consequências danosas ao ambiente de trabalho, a maioria das empresas faz vista grossa aos psicopatas, reforça Garcia. “Existe uma conveniência velada das corporações, pois dependendo do segmento de negócio e da natureza da operação, como uma construtora que fornece ao governo, fecham-se os olhos”, revela. O mote da questão é: interessa a algumas organizações investigar se existem psicopatas na alta liderança? Isso porque, segundo o CEO da Cogni-MGR existem empresas que lucram com um líder psicopata. Ademais, se eu o demito, será que ele pode levar os clientes junto? Em outras palavras, as consequências podem pesar menos do que as conveniências.

Para o médico do Hospital Albert Einstein, no mundo corporativo as situações chamadas de psicopatias estão diretamente ligadas ao assédio moral de chefes sobre subordinados, por meio de agressões verbais e humilhação. Muitos de seus pacientes se queixam da pressão exercida por metas, objetivos e perseguição de gerentes, que é um reflexo da psicopatia corporativa que está incutida no próprio ambiente de alta competitividade, o que, por fim, acaba gerando um prejuízo para todos, colaboradores e empresas.

Nesse âmbito, Rebeca ressalta que existem dois lados, o perseguidor e a vítima. “Um persegue, o outro é perseguido, e entra o salvador, e aí quando esse jogo ocorre, ninguém ganha, nem os clientes, nem a equipe e muito menos os profissionais envolvidos.” A profissional indica que, nesse caso, o melhor que o RH tem a fazer é ajudar o perseguidor a realizar uma transição de carreira, seja por coaching ou outros meios.

No olho do furacão
Viver sob constante perseguição, pressão e coerção no trabalho pode ter efeitos avassaladores. R. S. T., que trabalha há 11 anos em uma empresa de vendas de insumos para hotelaria, passou pelo inferno e chegou ao limite do suportável. “Quando a empresa cresceu meu chefe deu os primeiros sinais de desequilíbrio. Começou a assediar os funcionários com humilhações, desrespeito, perseguição, xingamentos; e nesse processo fui isolada”, conta. O chefe restringiu seu acesso ao telefone que, como consequência, resultou em queda de vendas e de remuneração ( 1/3 do salário anterior). “Ele tirou meu telefone direto, limitou meus contatos pela internet, não me repassou clientes de colaboradores que deixavam a empresa, e pior: tirou alguns clientes meus e deu para outros vendedores.”

Ela o classifica de sádico. “Ele chama publicamente seus colaboradores de velhos, burros e pobres.” A consequência para R.S.T. foi devastadora. Depressão, insônia, desorientação, falta de confiança, medo, perda de clientes e duas licenças médicas. “O psiquiatra diagnosticou esgotamento, que controlo com remédios, mas também desenvolvi hipotireoidismo em função do estresse. Isso me fez não querer mais trabalhar, passei por um processo de desligamento mental e consegui me isolar do ambiente e seguir com meu trabalho. Cortei qualquer relação com o chefe e hoje faço o possível para não absorver essa energia destrutiva e seguir em frente.”

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