Tradicionalmente, nós, brasileiros, utilizamos o contexto dos EUA como fonte principal de informações sobre tendências e tecnologias de T&D. Quando examinamos nossas estratégias, programas novos, metodologias diferenciadas, pesquisas sobre T&D, as principais fontes de informações são a American Society for Training and Development (ASTD) e a Society of Human Resources Management (SHRM).
Agora, a pergunta que não quer calar: e o contexto europeu, o que nos oferece em termos de T&D e RH? Quais os autores que nos influenciaram quando buscamos novidades e informações em RH e T&D nesse continente? Testando nosso nível de recall, vamos mencionar Aries de Geus, Edward de Bono, Manfred Ketz de Vries, Stephan Garelli, Charles Handy. Quais deles você conhece? Quais as contribuições de cada um? Que livros ou artigos leu de cada um deles? Antes que você se culpe, vale listar algumas razões para que essa miopia e esse unidirecionamento aconteçam. Uma delas refere-se ao fato de tanto ASTD quanto SHRM serem extremamente agressivas e “marqueteiras” (no bom sentido). Mais ainda, a Europa não tem a sua ASTD, mas associações diversas na área de T&D (falamos de um continente e não apenas de um país). Além disso, em RH, a Europa tem várias associações mais “ativas”, mas quase sempre ligadas à SHRM, maior associação de Recursos Humanos do mundo.
Mais uma questão reside no fato de nossas universidades, consultorias, etc. possuírem mais profissionais “treinados” nos EUA, tradicionalmente um país exportador de tecnologia em T&D. Apenas a título de curiosidade, tente se lembrar das origens dos programas de lideranças existentes no Brasil, a partir de 1970. Liderança situacional? Modelos de gerência? Liderança 3D? Liderança servidora? Encontrou algum europeu?
O velho continente: panorama
Na Europa, existem duas escolas distintas: a francesa, que abrange a maior parte do continente; e a inglesa, que engloba os países do Reino Unido. A primeira é mais conservadora e extremamente voltada para utilização de programas de T&D como forma de garantir a manutenção do nível de emprego, via especialização técnica e gerencial. Já a britânica tende a ser mais direcionada para a dimensão tecnológica (mobile learning, por exemplo) e possui maiores semelhanças com a escola americana. Vale lembrar, sempre, que ambas as escolas “parecem” não querer se filiar ao modelo dos EUA, visto pela Europa como “novidadeiro” e mais superficial em suas abordagens.
Quando olhamos para T&D no contexto europeu, identificamos algumas tendências claras:
> Uma grande orientação no sentido de não “copiar” a escola americana;
> Busca de uma diferenciação em termos de qualidade e profundidade de abordagens;
> Uma visão mais intelectualizada, acadêmica, de T&D;
> Busca da customização das abordagens, respeitando as grandes diversidades culturais e econômicas;
> Programas com maior duração, na linha do life long training.
> Privilegiar os mais jovens na escolha dos participantes, em função de sua menor resistência à mudança e maior familiaridade com o lado tecnológico de T&D. Algo na linha do princípio de Pareto. Maior concentração de esforços dos quais se esperam mais resultados.
> Utilizar a certificação como alternativa para uniformizar a comparação de competências face às demandas de diferentes países.
> Enfatizar programas in house, especialmente como forma de retreinamento;
> Utilizar o treinamento informal como alternativa de baixo custo e alto poder multiplicador;
> Ênfase, ainda muito grande, no treinamento presencial (especialmente na França). Espanha, Reino Unido e Alemanha são os países que mais utilizam o aprendizado por tecnologia.
Um retrato americano
O cenário nos EUA é bem mais nítido, especialmente pela maior disponibilidade e comparabilidade de informações. Uma pesquisa recém-divulgada pela ASTD, State of Industry 2011, nos permite uma visão clara do presente e futuro de T&D. Verifica-se um crescimento significativo, ano a ano, do mobile learning como instrumento extremamente eficaz em termos de sua abrangência do público a ser atingido (quase todo público-alvo possui mobile devices). Hoje, o mobile learning possibilita a disseminação do conhecimento em tempo real. Persiste, ainda, sua grande deficiência quando se fala em seu uso para objetivos de mudança comportamental.
A duração média dos programas presenciais é de dois dias. Mudou também a natureza de utilização desses dois dias. Esse período é cada vez mais utilizado para operacionalização de um conhecimento já adquirido previamente, via mobile learning ou e-learning tradicional etc. A mesma tendência se aplica à atividade de follow-up/avaliação, cada vez menos presencial. Além disso, a pesquisa mostra que a despesa direta de treinamento por colaborador foi de 1.228 dólares (ante 1.098 dólares em 2009). No contexto americano nota-se, ainda, uma estabilização no número de horas anuais de treinamento por empregado (32 horas).
Diante das alternativas treinamento formal versus treinamento informal, cresce ano a ano a segunda delas. Apenas para uniformizar o conceito: treinamento informal é aquele em que a área de T&D fornece apenas os recursos logísticos e o apoio institucional para o equacionamento de um problema/necessidade. Não há custo de instrutores ou consultores, nem qualquer interferência da área de T&D, inclusive na definição do grupo participante. A médio prazo essa atividade pode representar uma pequena “ameaça” para a unidade de T&D, razão pela qual nem sempre é bem vista. Na pesquisa Informal learning, feita pela ASTD, temos alguns dados sobre o tema (veja box Mais horas de curso).
Esse levantamento mostra que o treinamento baseado em tecnologia ainda é pouco disseminado. Além da questão de custos, a falta de fornecedores, a inexistência de economia de escala e a resistência das gerações mais antigas contribuem para a relativa estagnação. Apesar dos pesares, a sala de aula está, gradativamente, mudando de local, migrando do presencial para o “bolso” dos treinandos.
Análise comparativa
Para efeito do comparativo entre Europa e EUA, utilizamos várias fontes de consulta, em especial a Pesquisa Cegos – Treinamento na Europa, a partir de dados da OCDE. Maior consultoria europeia em T&D, a Cegos realizou, em 2011, a mais importante pesquisa sobre tendências dessa área naquele continente. Realizado na Alemanha, Reino Unido, França, Espanha e Itália, o levantamento procurou identificar atitudes, preferências e necessidades nos cinco países mais avançados em T&D na União Europeia. Os dados da pesquisa foram acrescidos de informações coletadas em outro estudo realizado em maio de 2011, na ASTD, possibilitando uma comparação entre Europa e EUA. Eis alguns dados comparativos dos contextos americano e europeu:
> O blended learning está cada vez mais presente nos programas de T&D;
> Uma diferença de horas de treinamento por colaborador, com grande vantagem para os EUA. Espanha, França e Reino Unido são países com os índices mais altos da Europa;
> O foco em programas de liderança é mais significativo nos EUA. Esses programas são vistos como forma de superar crises que se sucedem;
> O lado lúdico dos programas é muito maior nos EUA (para o bem e para o mal);
> Nos EUA, o ROI é uma preocupação muito maior. Cada vez mais se procura “tirar” de T&D a responsabilidade pela avaliação desses os programas. Essa função tende a ser realizada pelo cliente final do programa.
> Na Europa, esse tema não tem a mesma importância. A distância entre os profissionais de T&D e as áreas de produção e vendas é grande. T&D ainda não é reconhecida como conhecedora do negócio;
> No confronto treinamento tradicional e as novas tecnologias de T&D, a complementaridade é maior nos EUA;
> A Europa permanece pouco afeita a novidades em T&D;
> Alemanha, França, Reino Unido e Espanha são os países mais próximos do que se faz em T&D nos EU;
> O lado virtual de T&D é menos presente na Europa; A demanda dos colaboradores por treinamento é maior na Europa. O mesmo acontece com o nível de engajamento.
> Reino Unido e Espanha são os campeões em e-learning e blended learning;
> Treinamentos em liderança, na Europa, são responsáveis por 24% do orçamento de T&D;
> Numa recente pesquisa no Brasil, esse percentual é de 52%. Na Europa, predominam os treinamentos técnicos;
> O treinamento presencial, ainda, é o preferido pelos dois lados; a duração média dos programas é de dois dias. Vídeos e web conferências têm como duração máxima duas horas;
> Na Europa e EUA, os cursos e-learning têm como ideal a duração de 30 a 60 minutos, por módulo;
> Nos dois continentes, os gerentes não têm as áreas de RH e T&D como principal fonte de informações sobre assuntos ligados a treinamento. A Intranet, os próprios superiores e os bancos de dados em T&D são as fontes predominantes;
> Outra informação interessante mostra que os empregados, ao necessitarem de ajuda ou coaching, têm os respectivos gerentes como a última alternativa. Os próprios colegas, o tutor, o coach são os preferidos.
Percebe-se que tanto na Europa quanto nos EUA cresce exponencialmente o treinamento informal e colaborativo. As ferramentas não presenciais mais utilizadas nos dois continentes são as vídeoconferências e os webseminars. A pesquisa Cegos analisou o grau de comprometimento e engajamento dos participantes dos programas de treinamento. Na Europa, 79% concordariam em utilizar parte de seu tempo livre para serem treinados. Por outro lado, 61% concordariam em pagar parte do custo de seu treinamento – nos EUA, os percentuais baixaram drasticamente para 10% e 10%, respectivamente.
L A Costacurta Junqueira é CEO do Instituto MVC.