Gestão

Os três mundos

de Cristiana Felippe em 19 de novembro de 2010

Imagine o mundo corporativo dividido em cores. De um lado está o cenário azul, que representa as grandes corporações, geralmente multinacionais que movimentam quantidades em dinheiro tão grandes que ultrapassam o PIB de muitos países, e cujo principal atrativo são os benefícios oferecidos aos colaboradores em áreas como saúde, educação e segurança. Neste mundo, porém, é preciso obedecer a um sistema de gestão rígido que mede, a todo momento, a produtividade dos executivos.

De outro, está o verde que, como o próprio nome sugere, simboliza um mundo ditado pela sustentabilidade e responsabilidade social, onde as iniciativas voltadas para o meio ambiente são os carros-chefe da pauta e no qual créditos de carbono viram moedas de troca e movimentam desde funcionários preocupados em não estourar a cota de impressões até as decisões dos acionistas. Por fim, mas não menos importante, está o mundo laranja que retrata as empresas de menor porte, com menos funcionários fixos, mas com destaque em seu ramo de atividade. Neste local – extremamente conectado com redes de relacionamento e comunidades, pois depende da colaboração de serviços especializados e terceirizados – valoriza-se, principalmente, o capital intelectual. A qual delas você gostaria de pertencer daqui a dez anos?

Independentemente da resposta, o fato é que o papel do RH em 2020 será analisado detalhadamente nestes três mundos, projetados no estudo Gestão de pessoas no futuro – o futuro do trabalho em 2020 , pela PricewaterhouseCoopers (PwC), com apoio da Oxford Said Business School. Segundo o sócio da consultoria, João Lins, a pesquisa parte da premissa de que a realidade não é linear, mas formada por forças conflitantes e paradoxais, ou seja, enquanto há a tendência para o individualismo, ao mesmo tempo cresce a busca por redes de relacionamento, responsabilidade social, sustentabilidade e assuntos globais. “Os três mundos trazem oportunidades interessantes e ajudam as empresas a identificar em que modelos desejam se inspirar”, afirma Lins. Assim, o importante é a companhia verificar qual é o modelo de gestão aplicado hoje e qual direção quer seguir. Porém, nada é imutável e as empresas podem, além de apresentar características de mais de um mundo, estar em processo de transição entre dois cenários. “Dificilmente haverá uma empresa 100% de uma cor”, afirma Lins, ressaltando que a própria Price está passando por um processo de movimento entre os mundos azul e verde. E, de acordo com ele, o mesmo está ocorrendo em algumas instituições que passaram por processos recentes de fusão e precisam focar mais sua comunicação institucional na sustentabilidade.

Dessa forma, as companhias devem observar como cada um desses mundos impacta sua gestão de pessoas, já que o mecanismo de recompensa e a forma como as pessoas participam das decisões são diferenciados. No mundo laranja, por exemplo, trabalhar com uma equipe enxuta depende muito da relação com o prestador de serviços, por isso, sobreviver com a tradicional filosofia do mundo azul de comando e controle não é possível neste mundo, em que a hierarquia não é tão valorizada. Só pode haver a transição do laranja para o azul quando o volume cresce tanto que precisa de uma estrutura mais pesada ou não consegue mais competir no seu ramo. Por outro lado, muitos azuis acabam tendo um ´pezinho´ no verde, para atender às exigências do consumidor.

Guerra por talentos
Independentemente do mundo a que pertençam, um dos maiores desafios das empresas do mundo todo continuará sendo a retenção de talentos. Mas agora, diferente do que víamos antes, os valores serão ainda mais observados pelos colaboradores na hora de decidir (ou não) permanecer numa companhia. “A maioria dos entrevistados deixaria o emprego se percebesse que a empresa contraria seus valores pessoais, algo que não se via na geração anterior”, afirma. Segundo ele, além de as vagas não serem preenchidas por falta de mão de obra qualificada, os jovens não terão medo de deixar a empresa se ela não atender aos valores em que eles acreditam. Além disso, os profissionais de destaque contratarão especialistas para caçar as melhores oportunidades do mercado para eles, especialmente no mundo azul. Um ponto positivo dessas mudanças é que o profissional do futuro, em todos os níveis hierárquicos, tende a estar muito mais conectado e alerta ao seu papel no mundo, pois ele é bombardeado por informações e chamado a mostrar sua opinião.

E projetar como será a gestão do trabalho em 2020 está sendo uma tarefa cada vez mais frequente em algumas empresas. É o caso da rede Wal-Mart, que já coloca as questões do futuro na pauta de suas reuniões estratégicas, como explica o vice-presidente de RH da rede, Marcos Próspero. “Já nos antecipamos para enfrentar o problema da retenção de talentos, com a criação da Escola Social de Varejo, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, para promover a formação de jovens de baixo poder aquisitivo para o mercado de trabalho”, conta. Segundo ele, a ideia é oferecer uma alternativa para o jovem que tem dificuldade em arrumar um emprego e tentar reduzir a rotatividade do setor. “Mas acredito que, mesmo assim, as empresas brasileiras terão de importar executivos no mercado mais técnico”, ressalta. Mas qual a cor do Wal-Mart? De acordo com Próspero, no Brasil, a empresa se considera mais do mundo verde, já que coloca a sustentabilidade como modelo de gestão de negócios, seguindo a tendência vinda de outros países que já utilizam energia limpa. A rede de supermercados na Califórnia, por exemplo, funciona com energia solar e há outros locais que utilizam eólica, e as lojas seguem o modelo de ecoeficiência, utilizando materiais recicláveis, reaproveitamento de água, redução de consumo de energia por meio de iluminação natural. Além disso, todos os novos supermercados construídos seguem projetos de arquitetura sustentável. E o Wal-Mart parece estar no caminho certo. Isso porque, apesar dos três mundos – azul, verde e laranja – terem muitas diferenças, apresentam em comum a sustentabilidade como grande direcionador dos negócios.

Olhar sustentável
Uma das tendências do mundo verde, segundo a pesquisa, será a contagem de créditos de carbono. Hoje, a Suzano Papel e Celulose, por exemplo, tem o chamado inventário de emissões, que calcula as emissões diretas e indiretas dos gases de efeito estufa de todas as atividades e unidades. “Mapeamos as oportunidades de redução em todas as áreas, tanto em fontes móveis (caminhões, empilhadeiras etc.) como nas estacionárias (máquinas e equipamentos)”, explica o diretor de RH da companhia, Carlos Alberto Griner. A empresa investe, ainda, em ações e projetos para conscientizar os colaboradores sobre questões importantes referentes à sustentabilidade, como consumo consciente de energia elétrica e água e descarte correto de papel. Na visão de Griner, isso é reflexo da mudança de mentalidade do consumidor, que tende a buscar produtos responsáveis e ecologicamente corretos. “Eles [os consumidores] vão direcionar, cada vez mais, o mundo corporativo, e o lobby ambientalista se tornará tão poderoso que as empresas precisarão reagir com maior rapidez às preocupações dos clientes”, enfatiza.

Pesquisas da empresa Tetra Pak confirmam esse movimento. “Vivemos um processo de conscientização da sociedade que, felizmente, não tem mais volta”, afirma o diretor de RH da Tetra Pak na América Latina, Gilberto Balista. Desde que surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, na ECO-92, no Rio de Janeiro, a empresa percebeu que precisava exercer papel ativo na educação ambiental e no desenvolvimento de tecnologias de reciclagem de embalagens. “Hoje, muitas das tecnologias desenvolvidas por nossa equipe – como a transformação dos resíduos de plástico e alumínio em pellets – estão presentes em diversos países, e o Brasil é exemplo no mundo”, diz.

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