Gestão

Pente fino

de Gabriel Jareta em 21 de junho de 2010

 


Scharrer, da KPMG: Em muitos casos, o fraudador foi demitido da empresa anterior pelas mesmas questões

Em cada dez empresas brasileiras, ao menos sete foram vítimas de algum tipo de fraude interna nos últimos dois anos. São funcionários e prestadores de serviços – muitas vezes com mais de dez anos de casa – que falsificam documentos e notas fiscais, adulteram cheques, desviam ativos, mentem nas despesas pessoais, entre outros tipos de crimes cometidos contra o patrimônio da empresa, que, na grande maioria dos casos, não consegue recuperar os valores desviados e ainda teme levar a denúncia para a esfera policial. Para especialistas no tema, a contribuição do RH é primordial para tentar minimizar a ocorrência desses crimes, num processo que envolve desde a contratação até a divulgação da política da organização em relação a fraudes.

 

Os resultados de uma ampla pesquisa sobre o assunto no Brasil, realizada pela KPMG, foram divulgados recentemente e mostram também a preocupação das empresas com a ocorrência de fraudes futuras: metade dos executivos entrevistados acredita que esse tipo de crime tende a crescer, ao mesmo tempo que 64% reconhece a insuficiência de controles internos, como uma circunstância facilitadora (veja mais detalhes da pesquisa na pág. 58) “Nenhuma empresa consegue erradicar a fraude, mas é possível diminuir os riscos. A fraude em si é cometida por um indivíduo, uma pessoa, e não por um sistema”, aponta o sócio da KPMG no Brasil, Werner Scharrer.
Para ele, uma grande parcela dos fraudadores poderia ser identificada ainda durante o processo de contratação. No entanto, o filtro tradicional de consulta de antecedentes criminais e do nome limpo na praça não é suficiente. “Isso é uma fotografia do momento, não mostra qual a atitude. Em muitos casos, o fraudador foi demitido da empresa anterior pelas mesmas questões”, explica o executivo. Por isso, ele acredita que é preciso traçar um perfil desse futuro funcionário conversando com antigos empregadores e buscando outras referências.

“Fuçar” um pouco na internet também pode ser uma grande ajuda para tornar a personalidade do candidato mais transparente. De acordo com o diretor-executivo da multinacional de consultoria e auditoria Kroll, Eduardo Gomide, um dos controles mais importantes de fraude está no momento da contratação, e uma busca rápida no Google com o nome da pessoa pode dar algumas pistas, assim como o comportamento dela em redes sociais. “É preciso checar que tipo de informações elas veiculam, de que comunidades fazem parte no Orkut, que interesses têm no Facebook”, aponta. A ideia, diz Gomide, é investigar se o candidato tem posições que contrariam a política da empresa. “Isso já ajuda muito a minimizar os riscos”.

Riscos estes que envolvem, inclusive, um currículo recheado de informações mentirosas. Segundo o diretor de marketing da Graber, Luciano Caruso, falsificar o grau de instrução ou apresentar-se para uma vaga de diretor industrial sem nunca ter frequentado uma faculdade de engenharia também são fraudes recorrentes. “Estatísticas americanas mostram que 5% das solicitações de empregos apresentam informações falsas na parte dos requisitos educacionais e 10% problemas de ordem geral. Por isso é tão importante confirmar todas as informações relevantes que sejam quesitos obrigatórios ou preferenciais no processo de contratação de uma vaga”, afirma.

Cultura antifraude
Escolhido o candidato, a admissão precisa ser um momento para apresentar a política da empresa em relação a fraudes, ou seja, mostrar os limites éticos e quais os procedimentos quando crimes do tipo são identificados. Para Gomide, da Kroll, esse procedimento deve ir além da simples informação. “(O contratado) precisa assinar termos de comprometimento para proteger contra uso indevido do e-mail corporativo, por exemplo. Também é necessário assegurar que ele tenha conhecimento de suas responsabilidades, como alterar a senha periodicamente”.

E o RH também tem o papel de deixar claro qual a posição da companhia em relação a desvios ou fraudes, mesmo que sejam aquelas de pouco valor, que muitos  nem encaram como uma contravenção. Especialistas recorrem ao mesmo exemplo para ilustrar um tipo de desfalque que pode dar margem a crimes maiores: a adulteração de despesas pessoais, como alimentação, hospedagem e transporte. “É até normal um taxista perguntar qual valor ele deve indicar no recibo”, aponta Scharrer, da KPMG.

Na opinião de Eduardo Cipullo, sócio-diretor da BDO, o RH deve demonstrar claramente como funcionam os controles e criar uma cultura em que a fraude é inaceitável. “O funcionário almoça um suco e um pastel, pede uma nota de 25 reais e, muitas vezes, nem entende aquilo como uma fraude. O desvio pode ser até de 50 centavos – não importa o valor -, o princípio é que está errado”, declara. Por isso, afirma Cipullo, está crescendo a procura por consultorias e treinamentos para melhorar o ambiente interno em relação aos controles, mesmo nas empresas de porte médio ou familiares, onde esses processos são, geralmente, menos rigorosos. “As fraudes ocorrem onde há controles ineficazes”, completa.

Para o perito criminal Arnaldo Ferreira dos Santos, consultor na área de segurança, as organizações baseadas em estrutura familiar ou de pequeno porte são as principais vítimas de fraude. “Elas não têm a cultura da prevenção, é o filho que cuida do financeiro, a mesma pessoa que autoriza pagamento dá o visto de entrada, e por aí vai”, ressalta. Segundo ele, o percentual de empresários que tem pouco ou nenhum conhecimento sobre fraudes é grande. Assim, é preciso estar atento para alguns sinais que o fraudador dá – sendo o principal deles ostentar um padrão de vida que não corresponde ao salário que ganha. “Se um colaborador tem um salário de 3 mil reais e um padrão de vida de quem ganha 20 mil reais, é preciso verificar se o setor em que ele trabalha dá margens (a desvio)”, diz.

O “pós-fraude” é também um momento crucial para o RH. Se grandes empresas, especialmente do setor financeiro, preferem abafar os casos de desfalque, com medo da repercussão negativa da instituição, a divulgação interna do caso e da punição – inclusive em instâncias criminais – contribui para deixar claro aos outros colaboradores qual a política da companhia sobre o assunto.

Caso de polícia
“O grande problema é que as empresas acabam não demitindo (o fraudador) por justa-causa e o que deveria ser tratado como caso de polícia é tratado como uma questão interna”, afirma Cipullo. Com isso, o fraudador recebe benefícios trabalhistas da rescisão, não responde criminalmente e pode cometer desvios em outra empresa. Consolidar a cultura de que a fraude é inaceitável e é punida parece ser, junto com os controles internos, o principal meio de detectar o desfalque. “A tendência é sempre o valor desviado seguir uma crescente”, diz o perito Arnaldo Santos. Na maioria das vezes, a descoberta ocorre por meio da melhoria dos controles internos ou por denúncias. Para Gomide, da Kroll, a revisão contínua do código de ética e a implantação de ferramentas de comunicação para detectar fraudes podem auxiliar a manter um clima de responsabilidade na empresa, ao mesmo tempo que protege os funcionários do denuncismo vazio. Mas encontrar esse respaldo contra a fraude, sem prejudicar o ambiente, exige um trabalho de prevenção permanente. “No fundo, essa prevenção está em criar uma relação de transparência entre empresa e funcionário”, completa.

Auxílio com dívidas

Instituir uma cultura da prevenção pode ajudar a evitar casos de fraudes

Quem trabalha diariamente investigando fraudes garante: não há um perfil definido de fraudador. Muitas vezes, pode ser o bom funcionário, com muitos anos de casa, que se viu diante de uma dívida decorrente de vícios como o jogo ou drogas ou mesmo um descontrole financeiro na família. Incapaz de pedir ajuda, resolve valer-se de seu conhecimento dos “furos” dos controles internos para desviar valores ou falsificar documentos. “Muitas vezes, a pessoa pensa: ´vou pegar esse dinheiro e depois devolvo´, mas a tendência é o valor aumentar”, explica Cipullo, da BDO. Para diminuir a ocorrência de situações desse tipo, alguns RHs procuram abrir um canal para que o trabalhador endividado possa replanejar sua situação financeira.

Além disso, é preciso estabelecer uma relação de confiança para abordar precocemente colaboradores com problema de vício em jogo ou drogas. “A dependência química tem muita relação com a fraude”, afirma o perito criminal Arnaldo Ferreira dos Santos. Segundo ele, o RH deve estar treinado para observar “coisas diferentes” como um trabalho de prevenção. “Costumo ouvir dos empresários que teriam ajudado o funcionário se ele tivesse pedido”, conta Santos. “Mas por que não instituir a cultura da prevenção antes de tomar o prejuízo?”, questiona.

 

A fraude em números

Veja a seguir como as empresas brasileiras encaram o problema

– A pesquisa “A fraude no Brasil”, realizada pela KPMG Forensic, mostra um cenário paradoxal nas organizações brasileiras: embora 90% dos entrevistados reconheçam a fraude corporativa como um problema e 68% das empresas tenham registrado algum caso do tipo nos últimos dois anos, a maioria ainda não sabe como prevenir e, principalmente, como lidar após a descoberta desses crimes internos. De acordo com 64% dos respondentes, a insuficiência de sistemas de controles internos facilitou a fraude. Por outro lado, 93% apontam a melhoria desses próprios controles como medida para evitar futuros atos fraudulentos. Outros itens apontados nesse quesito foram a elaboração de um manual de comportamento profissional, para 57%, e treinamento dos funcionários, para 50%.

– Em relação à fraude em si, em 23% dos casos os valores desviados ultrapassaram o teto de 1 milhão de reais, e 5% do total de fraudes envolveu cifras acima de 10 milhões de reais. Os principais atos cometidos, segundo o relatório, foram, em primeiro lugar, a “falsificação de cheques, documentos e balanços”, em 29% dos casos, seguido por “roubo de ativos” (25%), “notas fiscais frias” (14%), adulteração nas despesas de viagens ou alimentação (12%) e propinas (12%), entre outros. Segundo respostas múltiplas dos questionários, 25% das fraudes foram detectadas por meio de controles internos, 24% por informações de funcionários, 22% por informações de terceiros e 21% por meio de denúncia anônima.

– A pesquisa também tentou traçar um perfil desse fraudador. Em 61% dos casos, o fraudador é funcionário da empresa, seguido por prestadores de serviços (14%) e fornecedores (13%). Quase a metade (47%) ocupa cargos de chefia para cima e a maioria (41%) está entre dois e cinco anos na organização. A menor fatia (16%) está há menos de dois anos na empresa, mas 23% dos perpetradores de fraude está na casa há mais de dez anos. Embora os fraudadores estejam, na verdade, cometendo um crime como qualquer outro, com tipificação no Código Penal, apenas 55% deles são demitidos após a descoberta do ato. Um número ainda menor, 31%, passa a responder processo criminal. Por sua vez, após ser vítima de fraude, somente 30% das organizações fazem revisão dos processos antifraude, que envolvem, em sua maioria, implementação de ferramentas de informática e criação de canal de denúncia anônima. Ainda de acordo com a pesquisa, 84% das empresas mantêm diretrizes sobre integridade e ética profissional.

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