Por Júlio Barbosa, sócio-proprietário do Núcleo Rumos de Apoio Docente, professor doutor, consultor de negócios e relações públicas e coach
Não é um dilema para quem tem uma carreira, mas um problema para quem vive de emprego. Afinal, você tem uma carreira ou um emprego? Quem tem emprego está sempre à beira do fim, e faz parte das estatísticas de desemprego. Quem tem carreira está sempre no processo de escolhas por recomeços. Para quem só tem emprego, ser reconhecido é essencial. Para quem tem carreira, ou quer ter, o primeiro passo é se reconhecer. Bem, mas todo mundo quer ser reconhecido, seja pela conquista do emprego, seja pela excelente carreira.
Divagações à parte… O filósofo Mario Sergio Cortella afirmou em entrevista que “a ausência de reconhecimento é a grande causa da atual desmotivação
nas empresas; reconhecimento é a melhor forma de estimular alguém”. Concordo e discordo a partir do que acredito ser a construção de uma carreira.
Vivemos uma era insólita, na qual “ser” não significa muito, mas “parecer ser” ou “ter” é mais valioso que realmente estar envolvido, dominar, conhecer algo em profundidade. O superficial e o incognoscível ganham tremenda força de expressão, mas não se sustentam por muito tempo. Eles se renovam automaticamente, copiando a si mesmos e se repetindo sem sentido, acrescentando outros tantos e efêmeros laços estéticos e evasivos.
Isso se vê em vários ambientes humanos, da arte ao direito, da comunicação à medicina, nas velhas profissões ou nas novas ordens mundiais de trabalho. Em muitas áreas, construir uma carreira não significa efetivamente dominar um conteúdo, mas fazer dele uma plataforma retórica desajustada, desconexa e fútil.
Concorda? Não? Então, como explicar os VDjs cômicos de assunto nenhum? As músicas de melodias repetitivas e letras rasas? Como explicar que seu novo guru tem 27 anos e é um coach de alma? Sou contra isso? Não. Faz parte da nova sociedade em que, provavelmente, no futuro, como diria chico Buarque e já reinventado o texto, “sábios (ETs) em vão tentarão decifrar o eco de antigas palavras (onomatopeias), fragmentos de cartas (e-mails), poemas (letras do funk), mentiras (fake news), retratos (selfies), vestígios de estranha civilização”, a nossa. Mas, se você ainda não entendeu, não se preocupe: nessa nova ordem mundial, parece que você não tem de questionar e discutir e aprender.
Vamos a diante: o primeiro passo para compreender onde quero chegar com essa discussão tem a ver com propósito. Ter propósito vai além de um simples objetivo, de conquistar bens materiais ou pequenas vitórias cotidianas, como finalizar um curso, ganhar um prêmio… Ter propósito é reconhecer o significado e a relevância naquilo que você constrói no seu cotidiano e que pode mudar a sua vida e a de outras pessoas para melhor.
O segundo passo é estar cônscio de quem você é e de suas competências e habilidades, da sua força no pensar, no conhecer e no fazer diário de suas funções. O terceiro passo é caracterizar o que você sabe, dominar a técnica, ampliar os conhecimentos e desenvolver seus talentos. E o quarto passo: olhe no espelho, sem arrogância, com benevolência na alma, empatia para com o outro e se reconheça. Quem vive atrás de ser reconhecido pelos outros acaba perdendo o controle de quem é.
Ser reconhecido é bom, mas não pode ser o único estímulo da sua vida. Não esqueça: Van Gogh foi reconhecido 100 anos após sua morte, seus quadros valem milhões, e ele passou a vida querendo isso – sem imaginar o que estava realmente criando de belo e maravilhoso. Então, se ainda resta dúvida, experimente pensar todos os dias assim: “Eu me reconheço por que sei quem sou ou, pelo menos, sei o quê e quem não sou”; “Eu me reconheço porque reconheço onde estou e o que está ao meu redor”; “Eu me reconheço porque sei o que quero”; “Eu me reconheço porque sei onde vou”; “Eu me reconheço porque confio no que sei”; “Eu me reconheço porque sei fazer o que me foi destinado a fazer”; “Eu me reconheço porque me preparei para isso, há em mim mais que a superficialidade de meia dúzias de palavras que aprendi e técnicas decoradas”; “Eu me reconheço porque tenho propósito”; “Assim, nesse momento, estou totalmente preparado para ser reconhecido pelo meu valor. Eu já não espero amargurado e triste que alguém em uma empresa venha me dizer algo
positivo, me premie por eu ser bom, me promova porque sou o melhor; não ficarei angustiado e frustrado porque meu chefe não reconheceu meu talento, após anos de dedicação a essa organização. Tudo será mais leve e menos penoso porque sei que escolhi uma carreira com propósito, uma empresa com propósitos e construí uma história da qual me orgulho de verdade”.
Lembre-se: não estou dizendo que sair no jornal da firma, receber o broche de 20 anos, ganhar o prêmio de funcionário do mês, ganhar bônus não podem ser a mola propulsora da sua vida. Ser reconhecido nos causa felicidade, nos estimula, nos acalenta. Mas é como chocolate: quanto mais se come, mais se quer. E vicia, e engorda, e pode causar problemas de saúde se perdermos o controle de seu uso. Ser reconhecido tem de nos dar leveza e a certeza que fizemos o melhor; não pode ser um presente para seu ego inflado de pessoa mimada que quer o brinquedo favorito do outro.
Essa leveza não o deixará sucumbir ou perecer diante das hordas odiosas de desejos malignos que podem existir na empresa que você trabalha ou diante de pessoas que não o reconhecem. Silenciosamente, talvez você tenha se boicotado por anos, culpando a população mundial, mas
efetivamente não fez nada por você que vale a pena ou que tivesse propósito. Pense, repense, reflita. Se você não se reconhece como vai quer ser reconhecido.