No mundo pré-covid-19, não era uma tarefa fácil atrair e reter os melhores talentos. A disputa por esses profissionais era acirrada, e levavam vantagem as organizações que tinham uma marca empregadora mais forte, uma estratégia de employer branding mais consistente e coerente entre os discursos para dentro (colaboradores) e para fora (candidatos, por exemplo) sobre o que elas de fato eram.
Em meio à crise acentuada pela pandemia, tudo mudou. Ou melhor, muita coisa foi desnudada ou colocada à prova. Até que ponto o cuidado com os funcionários é, de fato, verdadeiro? São eles o centro das atenções na organização?
E o que dizer daquelas empresas que passam a criar campanhas para ajudar a sociedade no combate ao novo coronavírus: interesse genuíno ou uma carona no mais puro marketing? Qual o impacto de decisões como essas na marca empregadora? Por exemplo, vamos retomar a questão das demissões. Até que ponto essas decisões impactam a imagem da organização?
Para Matheus Fonseca, coordenador de employer branding do Grupo Movile, é difícil classificar quanto isso trará de impacto, uma vez que se trata de uma situação muito atípica a que vivemos.
“Trata-se [a demissão] de uma decisão muito difícil e que, muitas vezes, está além da vontade da empresa. Mas, neste momento, é importante entender como fazer isso de uma maneira humana, coerente e que esteja alinhada ao EVP [Employer Value Proposition]”.
Coerência, essa é uma palavra especial, como reforça Andreia Zambon, especialista em endomarketing e employer branding, comunicação interna e cultura organizacional e analista de RH na ilegra, empresa global de design, inovação e software.
“Imagine, por exemplo, uma empresa que demite uma grande quantidade de pessoas e, na mesma semana, use recursos financeiros para fazer uma ação interna. É algo que pode gerar uma repercussão negativa por ser incoerente. Da mesma forma, comunicados internos ou externos podem prejudicar a marca se não estiverem de acordo com os seus valores e propósito, pois mostram uma incongruência de atitudes. Muitas marcas, durante esta pandemia, se pronunciaram de diferentes formas e é possível que ganhem ou percam clientela por suas decisões”, diz.
Para a diretora de RH e marketing da Randstad, Maria Luiza Nascimento, em um momento como este, todas as partes envolvidas devem estar cientes de que se trata de um período extremamente desafiador, assim como qualquer cenário de crise.
“Muitas empresas estão fazendo o que é possível para reter seus colaboradores, utilizando se, inclusive, das medidas estabelecidas pelo Governo Federal. Por essa razão, diria que não poderemos considerar somente um período de crise para afirmar que determinada empresa tem ou não uma boa imagem, é ou não uma boa empregadora, uma vez que demissões, reduções de jornada ou afastamento são situações difíceis para ambos os lados”, conta.
“O que diferencia as empresas neste momento é a forma como se dirigem aos seus funcionários, o cuidado e a honestidade mostrada principalmente pela equipe gestora”, destaca.
Na Wavy Global, empresa de customer experience, os funcionários são colocados como centro de todas as ações, como afirma Beatriz Zaratini, profissional de talent management da empresa.
“E, por essa razão, estamos ainda mais focados nisso agora. Antes de qualquer coisa, estamos priorizando cuidar da saúde mental e física da equipe, pois nossa empresa nada é sem elas. Ao mesmo passo que fazemos isso, todos estão trabalhando em apoiar os clientes e a manter a operação funcionando bem. Acreditamos que a imagem da empresa é consequência da boa gestão neste momento também.”
A executiva observa que uma empresa está sempre exposta a situações que podem melhorar, reforçar ou, ainda, prejudicar a marca empregadora.
Considerando o cenário atual, Beatriz admite ser importante a preocupação em não demitir. Porém, em algumas organizações é inevitável que decisões como essa tenham de ser tomadas.
Mas, acima do peso da demissão em si, ela acredita que esteja a clareza na intenção de comunicar que a decisão é o último recurso e que a empresa não terá intenção de fazer isso, caso a real necessidade não venha à tona.
“O mesmo pode ser refletido no caso de ações solidárias: é importante que essas iniciativas sejam genuínas e que estejam alinhadas com a imagem que a empresa já transmitia à equipe, para que tenham o envolvimento dos funcionários como verdadeiros embaixadores das causas — e não apenas para cumprir um novo processo na empresa que, de repente, reduzirá a credibilidade das ações propostas.”
Sim, ao mesmo tempo em que algumas companhias se veem diante da necessidade de demitir, outras procuram manter suas fileiras em dia e há, ainda, aquelas que passaram a se envolver em ações solidárias.
Teriam estas organizações mais chances de melhorar ou reforçar sua marca empregadora? Para Fonseca, do Grupo Movile, a resposta é: com certeza.
“A forma como as empresas se comportam nesta crise está diretamente ligada à maneira que serão lembradas daqui para frente. Temos uma geração de pessoas no mercado que busca cada vez mais o propósito. Ter uma empresa olhando para o bem-estar dos funcionários e da sociedade faz muita diferença e o impacto positivo em marca empregadora tende a ser grande, se a organização demonstrar consistência em seu posicionamento e atitudes”, diz.
Nesse aspecto, Andreia, da ilegra, reforça a importância da coerência com os valores da companhia.
“Caso a empresa tenha em sua essência ajudar os outros, contribuir com a sociedade e causar um impacto positivo, ela só tem a ganhar com ações que estejam nesse caminho. Porém, se estiver fazendo isso somente pela ‘publicidade’, algo que não seja sincero, entendo que possa prejudicar a marca em médio prazo.” [Gumae Carvalho]