Saúde

Surdez coletiva

de Cristiana Felippe em 18 de fevereiro de 2010

Foi preciso um ultimato da esposa para que Eduardo Nogueira, de 52 anos, dono de uma pequena empresa de construção, se inscrevesse num programa de check-up. Era a avaliação médica ou a separação. Apesar de achar a proposta radical, optou pela realização dos exames. O preço não era baixo, mas ele decidiu investir. “Fui convencido de que deixar para cuidar da doença depois sairia muito mais caro. Hoje, sei que a saúde é meu maior bem, mas demorei a me convencer disso”, confessa.

Porém, os resultados não foram tão satisfatórios como Nogueira esperava. Ele estava com colesterol e triglicérides elevados e com hipertensão – o que o assustou bastante, devido ao histórico de infarto na família. Apesar de a orientação médica ser, além do uso de medicamentos, a de mudança de hábito – perda de peso e alimentação balanceada -, ele resolveu apenas tomar remédio para baixar a pressão. Três anos depois, quando foi realizar um novo check-up descobriu que, além da hipertensão, estava com colesterol e triglicérides ainda mais altos, tinha problemas vasculares na perna e estava pré-diabético. O médico foi claro: “Ou você muda de vida ou pode ter um problema no coração a qualquer momento”.

Casos como o de Nogueira não são raros. Na maioria das vezes, o executivo volta com os mesmos problemas detectados no check-up anterior. É difícil entender o porquê de tanta indisciplina. Eles são bem informados, têm altos salários, viajam o mundo, falam diversos idiomas e são, ainda, responsáveis por tomar conta dos investimentos milionários de grandes corporações. No entanto, não conseguem cuidar de seu maior patrimônio: a saúde.

Os executivos, de forma geral, como explica o cardiologista clínico César Jardim, do Hospital do Coração (HCor), têm pouca informação sobre os problemas de saúde que podem acometê-los devido à rotina diária de pressão e estresses intensos. Alguns até passam por um check-up empresarial, mas não conseguem se motivar a mudar os hábitos.

“Se as pessoas seguissem a orientação médica à risca, não voltariam ao médico com os mesmos problemas”, afirma. Mas como mudar a rotina? Segundo o médico Eduardo Berger, do Hospital Edmundo Vasconcelos, de São Paulo, não se trata de algo simples, mas contar com o apoio dos familiares e amigos é uma ajuda muito importante. Nogueira é a prova disso. “Meu pai me lembrava toda hora que quase havia morrido por não ter feito prevenção e minha esposa pegou tanto no meu pé que ficou impossível não obedecer às suas ordens”, brinca. Ele enfatiza, no entanto, que a mudança deve-se mais a sua força de vontade e ao medo de morrer. “Adoro a vida, tenho de me cuidar e investir no futuro. O que adianta ter dinheiro e realização profissional se a qualquer momento você pode ter um infarto e colocar tudo a perder?”, questiona. Outro fator importante, segundo ele, são seus três filhos – de 12, 14 e 19 anos. “O amor à minha família pesou muito”, afirma.

Hoje, o executivo tem um personal trainer, faz dieta constantemente e não descuida nunca dos remédios que deve tomar. Já emagreceu 15 quilos, estabilizou a hipertensão e teve a glicemia controlada. Também garante que não fica um ano sem controle médico. “Sou outra pessoa e sinto-me muito melhor hoje”, assume.

Como funciona
São muitos os hospitais e laboratórios que oferecem check-up executivo, como medida preventiva. “A avaliação médica realizada no profissional é uma forma também de sensibilizá-lo, pois percebemos que muitos não têm informação correta sobre o que uma hipertensão não tratada, por exemplo, pode acarretar ao organismo em médio prazo”, explica o coordenador do Clinic Check-up, serviço do HCor voltado a esse público, César Jardim.

A maior parte da clientela é masculina, mas atualmente já há 35% de mulheres – percentual que vem crescendo constantemente. Na visão de Jardim, o check-up é um serviço muito útil, pois, mesmo tendo um custo alto, é capaz de mudar o curso de muitas histórias. “Uma pessoa que tem hipertensão e não sabe pode ter um infarto em médio prazo”, ressalta.

Em geral, a pessoa chega ao hospital por volta das 6 ou 7 da manhã e sai em torno das 13 horas. Toma café da manhã e, em alguns casos, pode almoçar no local dos exames para facilitar a agenda. Porém, antes de comparecer aos exames, os executivos devem responder a um questionário. Trata-se de uma série de perguntas em relação ao histórico pessoal do paciente e os antecedentes familiares. Um dos primeiros procedimentos é tirar sangue. São analisados: colesterol, triglicérides, hemograma, sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, hepatite, ácido úrico, proteínas do sangue, enzimas do fígado e hormônios da tireoide. O paciente também passa por eletrocadiograma, ecocardiograma, raio X do tórax, eletrocardiograma de esforço e ultrassom abdominal. Os homens fazem também ultrassom da próstata e as mulheres, da mama e pélvico e mamografia. Quem tem mais de 40 anos, ou pessoas com histórico familiar de doenças no intestino, fazem a retocigmoidoscopia. Também são analisadas as fezes e a urina de todos os pacientes. Após esses exames, os executivos têm consulta com nutricionista, cardiologista, dermatologista, oftalmologista, fisiatra, proctologista e ginecologista ou urologista, para identificar possíveis fatores de risco para doenças cardiovasculares e outras alterações patológicas, como pedras na vesícula ou no rim.

Hábitos arraigados
Estudos nacionais e internacionais demonstram que o excesso de peso, o estresse, a ansiedade e alguns hábitos como o fumo e o uso excessivo do álcool são os problemas mais comuns entre os executivos. Segundo a Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), o estresse costuma aparecer em primeiro lugar, pois muitos executivos se mostram insatisfeitos com a sua rotina, com humor instável e irritabilidade frequente e sono irregular. As viagens constantes, o acesso permanente a e-mails e celulares e o excesso de demandas trazem dificuldades adicionais para que o executivo pratique atividade física, tenha alimentação saudável e se dedique a um hobby. No HCor, entre os principais problemas detectados estão as dislepimias (alterações no colesterol e nos triglicérides) e a hipertensão, fatores de risco importantes para doenças do coração. Muitos pacientes têm feito esse check-up, conduzidos por suas empresas. E a maioria deles mudou de hábito depois que se viu diante de um resultado desfavorável. Mas há os que, mesmo sabendo dos problemas que podem enfrentar no futuro, não dão atenção devida às orientações médicas. “Os maiores problemas que encontramos nesse rastreio são maus hábitos arraigados”, explica Berger, do Hospital Edmundo Vasconcelos, citando o tabagismo, o sedentarismo, o estresse sem controle e a alimentação inadequada. “Muita gente precisa apenas mudar de hábito para ter uma vida com mais qualidade”, orienta.

“Para alguns, falta informação, outros têm mesmo dificuldade de mudar de hábito. Mas fazemos de tudo para que eles possam aderir ao que prescrevemos e temos tido bons resultados”, afirma Jardim, do HCor. Segundo ele, muitos deixaram o cigarro, por exemplo, depois do check-up. E vários relatam que o exame é um divisor de águas em suas vidas. “Isso porque se conscientizaram da importância dos cuidados preventivos”, afirma o médico.

Fatores de queda

De acordo com estudo divulgado no fim do ano passado pela Hewitt Associates, em 2008, 64% das empresas pesquisadas tinham o check-up como uma das ações do programa de promoção de saúde. Em 2009, esse índice caiu para 58%. Essa queda retrata a dificuldade que as companhias encontram para que os executivos realizem os exames devidamente e, ainda assim, façam os acompanhamentos necessários. “A baixa percepção de valor por parte dos colaboradores e a dificuldade para mensurar a efetividade dos check-ups reduzem essa prática dentro das empresas”, destaca Andréa Campos, consultora sênior da Prática de Benefícios.

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