Gestão

Tempero brasileiro na gestão

de Gumae Carvalho em 21 de junho de 2010

 


Bonorino, da IBM: de Miami para Buenos Aires, o aprendizado de vivenciar a cultura do outro país

Entrou no táxi e informou o destino. O motorista, ao olhar pelo retrovisor, viu um jovem de cabelos compridos e fez mais uma pergunta. Sem sotaque, o passageiro respondeu e, em outro momento da conversa, disse que era brasileiro. O condutor achou graça e rebateu que era mentira. Não, não era. O embate durou alguns minutos até que Alessandro Bonorino conseguiu comprovar sua nacionalidade.

 

A história contada pelo atual diretor de RH para a América Latina da IBM traz um grande conselho e aprendizado para os profissionais de recursos humanos (e por que não estender para outras áreas de uma empresa?) interessados em ter uma carreira de sucesso no exterior: conheça, entenda e vivencie a cultura do outro país.

Em época de forte internacionalização de companhias brasileiras e de guerra global acentuada de talentos, MELHOR resolveu ouvir de quatro executivos de RH que atuaram ou que ainda atuam em empresas multinacionais no exterior um pouco de suas experiências e quais as características, digamos, brasileiras mais os ajudam. Além de Bonorino, contamos com Eliana Zem, vice-presidente sênior de RH para a América do Norte da Diageo; Sandra Denes, atualmente diretora de RH da Giovanni+Draftfcb e diretora de RH da Draftfcb América Latina, mas que atuou na unidade da GE, na França; e Fernando Lanzer, hoje consultor na Holanda, mas que na época da aquisição do Banco Real pelo ABN AMRO trabalhava no banco holandês, em Amsterdã.

Sem querer parodiar o título da peça de Paulo Pontes, escrita em meados da década de 60 e encenada, anos seguintes, por Paulo Gracindo e Clara Nunes, um outro título possível para esta matéria bem seria: “Brasileiro, profissão esperança”. A razão é simples: de todos os relatos, uma característica do brasileiro chama a atenção, a capacidade de acreditar, a esperança que não nos faz desistir. E que outras características se juntariam a essa? Voltemos à Argentina.

Pouco depois de completar 32 anos, Bonorino foi nomeado para cuidar da área de gestão de pessoas da IBM em todos os países da América do Sul, exceto o Brasil. Era o mais jovem e único brasileiro do grupo de executivos que desenhou essa “nova” região. E ele via diante de si o desafio de transformar nove países que operavam independentemente em uma operação única. O jovem executivo deixou para trás, então, a gerência de RH de serviços para a América Latina, em Miami – onde cumpria uma etapa de seu planejamento de carreira, que previa adquirir experiência internacional e no segmento de serviços da IBM.

Bonorino conta que duas características bem brasileiras o ajudaram nessa jornada: a boa convivência com a diversidade e a flexibilidade. Sobre este item, ele faz questão de acrescentar “com inovação”, referindo-se ao jogo de cintura, ao aprendizado com os outros.

“O brasileiro tem uma grande facilidade de lidar com as diferentes culturas”, lembra o diretor da IBM (e o taxista que o diga). Ao conviver com os argentinos e compreender a cultura daquele país, Bonorino conta que ficou mais fácil perceber que temos mais similaridades e diferenças com nossos hermanos do que imaginamos. Algo que a simplificação ou os estereótipos não nos deixam ver. “Por isso, quando alguém vai trabalhar em outro país aconselho a ouvir mais do que falar”, ressalta. É dessa forma, também, que se aprende e que se formam executivos globais.

Expatriar um profissional, preparando-o para assumir futuros cargos de liderança, não é uma ação exclusiva da IBM. Na Diageo, uma das maiores empresas de negócios com bebidas alcoólicas do mundo, também há uma preocupação de ter líderes de várias nacionalidades preparados e espalhados em todo o globo.

A esperança não morre
Com produtos comercializados em 287 países e pessoal em mais de 80 nações, a Diageo possui uma cultura de alta performance. “As expectativas e as metas de contribuição de cada pessoa para o negocio são bem elevadas”, confirma Eliana Zem. Mas, para que os objetivos sejam alcançados, a empresa possui muitas formas de reconhecimento e de inspiração. Neste último caso, destacam-se os líderes. “Ter uma liderança inspiradora, conectada globalmente, é muito importante. Comumente dizemos que ´All roads lead to leadership´. É uma maneira de dizer que tudo começa com excelente liderança e a solução dos nossos problemas se dá com excelentes líderes”, pontua.

Ela conta que um dos desejos da companhia é ter pessoas de todas as nacionalidades em postos de liderança. “Portanto, queremos que as pessoas tenham experiências em vários países e transformem-se em talentos globais. Por essa razão, o RH precisa se preocupar com a mobilidade dessas pessoas, desde a contratação. Precisa criar políticas que suportem transferências. Precisa criar ambientes de trabalho que sejam inclusivos, nos quais as diferenças sejam bem-vindas”, conta a brasileira Eliana, ela mesma um exemplo de liderança e de mobilidade na companhia.

Sandra, da Giovanni + Draftfcb: trabalhar em processos globais é essencial

Mesmo alertando que toda generalização é perigosa, a excutiva aponta algumas das características brasileiras que a ajudaram em sua trajetória no exterior. Em primeiro lugar está a relatividade. “Trabalhamos e vivemos com tantas desigualdades à nossa volta que toleramos a ambiguidade de forma mais natural que outros povos. Ela não nos estressa, o que é muito bom. Sabemos olhar as coisas com relatividade, o que nos ajuda a manter a mente mais aberta”, explica.

Outra característica refere-se às lições do passado econômico do país. “Passamos por muitas crises, o que nos tornou mais adaptáveis e flexíveis, com muito poder de improvisação”, diz Eliana, lembrando que a facilidade de se relacionar do brasileiro é também outro item de destaque para o sucesso lá fora.

Por fim, porém não menos importante, está outro um aspecto: a esperança. “Somos um povo crédulo, que acredita e continua acreditando. Esperança é a ´última que morre´, ou melhor, nunca morre! Pode parecer bobo, mas isso pode ser algo muito poderoso no mundo das empresas estrangeiras. Tentar é fundamental. Sem esperança ninguém tenta nada. Sem experimentar não há inovação”, ressalta Eliana.

Paradas indigestas
Fernando Lanzer concorda com Eliana quando o assunto é esperança. Também com uma boa experiência no exterior, ele revela outras três características brasileiras que vêm ajudando-o em sua trajetória na Holanda: a flexibilidade para se adaptar a um mundo que vive mudando; a criatividade para adotar abordagens inovadoras aos problemas que seguem sendo, basicamente, sempre os mesmos; e, finalmente, a persistência para não desistir e continuar tentando, cada vez de um jeito diferente. “No Brasil, falamos sempre em criatividade e flexibilidade, mas acredito que temos também muita perseverança, alimentada por um otimismo esperançoso que não se abate diante de obstáculos”, observa. “Sempre acreditamos que vale a pena continuar tentando, pois um dia tudo vai melhorar. Vi gente de outras nacionalidades desistirem de certas coisas, que depois eram assumidas por brasileiros e davam certo porque o brasileiro não desistia, tentava de tudo até que fazia a coisa acontecer”, conta, acrescentando mais uma característica nossa que é demonstrar coragem diante dos desafios (mesmo sentindo medo no íntimo). “O brasileiro não foge da raia”, reforça.

Foi essa mania de não fugir da raia que levou Lanzer, nas palavras dele, a “comprar muitas paradas indigestas” ao longo de 30 anos de carreira. Uma delas foi ter de assumir a gerência de RH do Banco Sulbrasileiro, nos idos de 1976, aos 24 anos de idade: ele teve de chefiar 107 funcionários que atendiam 11 mil pessoas em 345 agências. Outra foi ter de reduzir o quadro de funcionários do Banco Iochpe em 40%, em plena época do Plano Cruzado.

Mas a que mais tem a ver com esta matéria é a ida dele para a capital holandesa, de onde respondeu, por e-mail, às perguntas de MELHOR. Ele foi transferido pelo ABN AMRO, em 1996. Na época era diretor regional de RH para a América Latina e Caribe, e ficava em São Paulo. Era um passo natural na carreira passar a ser responsável pelo grupo de HR Advisors da área internacional do banco, com base em Amsterdã.

Nem é preciso dizer que o choque foi natural. “Eu já estivera naquela cidade várias vezes, como turista e a trabalho, mas uma coisa é visitar o país, outra é morar lá”, conta. O primeiro choque foi perceber que as casas tinham apenas um banheiro e um lavabo. “No apartamento em que eu vivia, em São Paulo, eram cinco…” O estilo de vida também causou diferença, como explica Lanzer: “Os holandeses são parcimoniosos, economizam em tudo e vivem sem pressa, sem aquela urgência típica paulistana. Aprendemos, minha família e eu, a viver uma vida mais calma, regrada, consumindo menos e com mais atenção à saúde.”

Quando o banco holandês anunciou a compra do Real, Lanzer quis ajudar na integração inicial, embora pretendesse continuar na Holanda até completar cinco anos de trabalho como expatriado. Mas o ABN não deu escolha: depois do trabalho inicial na fase de due dilligence, Lanzer foi “voluntariado” para interromper o período de expatriação e teve de voltar ao Brasil para a integração das duas instituições financeiras. “Hoje, não me arrependo, pois aquele período de 1999 a 2002 no Banco Real foi muito gratificante”, ressalta. Lanzer conta que seu maior sonho sempre foi morar na Holanda e trabalhar no Brasil. “É muito mais fácil realizar grandes projetos em nosso país: as pessoas se engajam mesmo e é, também, mais divertido. Na Europa, você precisa botar o dobro da energia para conseguir o mesmo resultado, sempre há muita discussão e resistência. Trabalhar no Brasil enche a gente de energia, até os europeus dizem isso, todo mundo quer trabalhar em nosso país”, diz. Ainda mais quando mercados desenvolvidos como EUA e alguns países da Europa, por exemplo, passam por problemas decorrentes da crise financeira – o que torna países emergentes, como o Brasil, ponto de chegada e não mais de partida de talentos.

“Nos EUA e, principalmente, na Europa, os jovens querem desafios, querem aprender e realizar coisas que deem significado às suas vidas. Os países emergentes como o Brasil e a Índia oferecem oportunidades de realização aliadas a um sentimento de fazer algo para um mundo melhor. Por isso há uma ´fuga de cérebros´ nessa direção”, diz Lanzer.

Para ele, no entanto, ainda há muito o que fazer por aqui. “Melhoramos muito nos últimos 20 anos, mas precisamos de mais 30 anos para alcançar os padrões de conforto que nosso povo merece. A entrada de talentos de fora pode nos ajudar muito nesse processo.”

Boa sorte é básico
Quem também percebe esse movimento de talentos é Sandra Denes. “Especialmente em alguns países da America Latina como, por exemplo, a Venezuela e a Argentina”, complementa. Ela conta que a boa qualificação de talentos aliada à falta de oportunidade em seus países tem atraído fortemente os jovens para oportunidades em outros. “No Brasil, a busca é mais focada no desenvolvimento da carreira e na vivência internacional”, diz Sandra, outro exemplo de profissional de RH com atuação no exterior – mais precisamente na França, quando comandava a área de recursos humanos da GE.

Sandra conta que, antes mesmo de ter essa oportunidade de expatriação, sempre se considerou uma profissional global, embora admita que o desafio da expatriação é de uma complexidade muito grande. Ela afirma que o período de adaptação a uma cultura diferente é muito enriquecedor e que os seus valores pessoais e profissionais são colocados à prova constantemente. “Apesar das dificuldades iniciais, o saldo sempre é positivo”, diz.

Entre as características bem “brasileiras” que a ajudaram em sua carreira na França, Sandra destaca a facilidade de relacionamento.

“A mente aberta para  novas culturas e saber lidar com as diversidades foram fundamentais para a facilitação do processo”, conta. Mas só isso não basta.
Para aqueles que desejam planejar uma passagem no exterior, a executiva dá alguns conselhos. “Ter conhecimento de várias línguas é fundamental. Trabalhar em empresas multiculturais ajuda muito. Ter a mente sempre aberta, desprendimento, muita garra e  procurar trabalhar em processos globais é essencial”, diz. E arremata: “Boa sorte é básico”.

Gente é gente em qualquer lugar

Alguns conselhos e lições de quem está lá fora

A partir de sua experiência na Holanda, Fernando Lanzer revela alguns conselhos para quem deseja ter uma boa carreira em RH lá fora. A primeira dica é ser humilde e respeitar a cultura do país para onde você vai. “Mas nunca tenha vergonha de ser brasileiro. Temos muito o que ensinar aos europeus e americanos. Não tenha medo de ser criativo, esse é um talento natural que temos, bem como a atitude construtiva e a disposição de ajudar os outros”, diz Lanzer, que faz questão de acrescentar um conselho que foi dado a ele: “Trabalhe sempre com o mesmo entusiasmo do seu primeiro dia de trabalho na empresa; e
com o mesmo desprendimento como se fosse o seu último dia”.

Eliana Zem, da Diageo, mostra algumas das lições que vem aprendendo no exterior e que podem ajudar gestores de RH por aqui:

– Gente é gente em qualquer lugar: “As oportunidades e problemas são muito similares em qualquer cultura. E isso só reforça a esperança no ser humano. Acredito muito em criar condições para liberar o potencial das pessoas, pois sei que cada uma tem potencial. Minha convivência em outras culturas só reforçou essa crença”.

– O valor da autoestima para o desenvolvimento: “Para se desenvolver, é preciso muito entendimento de si próprio, muita exploração interior, compartilhamento das suas descobertas com outros e experimentação de novas maneiras. E nada disso acontece sem autoestima”.

– O valor da diversidade: “Não tenho dúvida de que isso pode representar uma vantagem competitiva enorme para as empresas. Diferenças criam debates, que criam melhores ideias. É simples assim”.

 

O outro lado

O, digamos, jeito brasileiro de ser não traz somente vantagens para os nossos profissionais lá fora. Se existem características que nos impulsionam, não podemos varrer para debaixo do tapete algumas que podem atrapalhar. Eliana Zem tem duas na ponta da língua: “A nossa ´relação com o relógio´ é considerada um desrespeito no exterior”. A outra refere-se à maneira “relativa” com que interpretamos tudo. “Isso traz coisas boas e não tão boas. Faz com que interpretemos regras também de maneira relativa. Acredito que o famoso ´jeitinho brasileiro´ começa nesse ponto. Em outros países, não seguir regras tem consequências negativas e não cria confiança.”

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