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Mar calmo nunca fez bom marinheiro

de Tatiana Pimenta em 8 de maio de 2020

Hoje, durante o período em que me exercitava em um pequeno espaço da casa, me peguei refletindo sobre o quanto a crise que estamos vivendo pode extrair líderes e cidadãos melhores.

Quem me conhece sabe que tenho uma paixão pela corrida. E não é só correr por correr! Gosto mesmo é das longas distâncias, em especial da maratona, prova de 42km.

Quando decidi correr essa distância pela primeira vez, passei cerca de dois anos treinando. Os desafios são intensificados no ciclo de 12 a 16 semanas que antecedem a data da prova. Por experiência própria, posso afirmar que atravessar o ciclo de treino não é tarefa fácil. Mas, o objetivo desse período é se preparar para o mais difícil: o dia da prova. Para quem não sabe, a maioria dos atletas que concluem uma maratona pela primeira vez nunca havia corrido a distância antes. O pico de treinos alcança cerca de 32km e depois entra-se em um intervalo de regeneração até o grande dia.

Incrivelmente, hoje, enquanto pulava cordas, me lembrei das minhas últimas maratonas. Lembrei dos sacrifícios, do esforço e dos desafios dos ciclos de treino. Consegui fazer comparações com meu momento atual, liderando uma startup que cresce em um ritmo avassalador.

É preciso se preparar para dias incertos

Na preparação para uma prova de longa distância sempre nos planejamos para imprevistos. Afinal, nunca sabemos como estará o dia: pode estar chuvoso, muito frio, calor demais, errar na hidratação, comer algo que não faça bem e tudo ir por água abaixo.

Não conseguimos controlar o incerto, mas conseguimos nos dedicar para fazer o nosso melhor. São dias, semanas, meses treinando duro, fazendo força, levando o corpo à exaustão. Acordamos cedo aos finais de semana e corremos 20, 25, 30 e até 35 km. Estressamos a musculatura ao máximo e depois pulamos num tanque cheio de gelo (coisa de gente completamente doida) para recuperar o organismo da fadiga mais rapidamente.

Comemos bem, mas pouco! Para mim, que amo cozinhar e comer, é a pior parte, não nego. Restringimos sabores que nos trazem prazer, deixamos de consumir itens que nos oferecem algum conforto, como uma boa taça de vinho, por exemplo, e também adotamos uma disciplina no mínimo curiosa. Dormimos e acordamos cedo, pois descansar é parte fundamental da jornada bem-sucedida. Alguma semelhança com os dias atuais?

Chega o dia da prova e lá estamos nós, dispostos e excitados para que soe o tiro de largada. Passamos horas correndo, para não dizer sofrendo, rs. Isso mesmo, correr uma maratona dói, do fio cabelo ao dedinho do pé. É preciso ter humildade, aceitar que não treinamos tanto quanto deveríamos ou que não estávamos tão preparados assim como achávamos. Os últimos quilômetros sempre parecem intermináveis, mas o acenar da linha de chegada faz tudo valer à pena.

A adversidade fortalece e engrossa a casca

Para mim, as analogias com a corrida são muitas. Quando maior a dificuldade dos percursos adotados nos treinos, mais fácil se torna o dia da prova. Sempre que o período foi de adversidades, mais forte cheguei ao final.

Lembro, como se fosse hoje, da maratona que corri logo depois do processo de tratamento de câncer do meu pai. Tinha perdido o emprego naquela época, tinha muito medo do que estava por vir, não fazia a menor ideia do que faria dali para frente, mas corri leve. Estava pronta. Estava mentalmente forte, depois de tantos percalços.

A Covid-19 nos convida a repensar em tudo que acreditamos. Abre oportunidades para amadurecermos enquanto líderes ou para pensarmos fora da caixinha. As mudanças repentinas surgem para nos tirar da zona de conforto e nos fazer fugir do óbvio. É preciso ter pulso, tomar decisões dolorosas, errar e aprender com os erros. Não tem fórmula mágica e vamos aprender com as falhas também.

Afinal, quando fazemos um ciclo perfeito e nos deparamos com um sol de fritar ovo no asfalto, não tem preparo que dê conta. Tenho certeza que nenhum CEO tinha, em seu planejamento 2020, uma seção denominada “o que fazer em caso de pandemia”.

Ingredientes para o sucesso

Não existe uma fórmula mágica ou 100% infalível para o sucesso no esporte. Alguns ingredientes são fundamentais: cabeça no lugar (a mente é ainda mais importante que o físico para chegar bem no final), uma boa equipe (treinador, médico, nutricionista, colegas de treino), tanque cheio (alimentação e hidratação corretas) e foco.

No empreendedorismo é quase igual. No cenário de crise, mais ainda. Precisamos de pelo menos quatro ingredientes para evitar falhas: equilíbrio emocional (saúde mental é fundamental para tomar decisões assertivas), uma equipe engajada e talentosa, funding suficiente e priorização. Gosto muito do termo em inglês pick your fights. Já falei sobre a importância de falar NÃO em outro artigo. Nesse momento de avalanches de informação, pedidos, e-mails, lives, entrevistas, webinars, etc, fazer escolhas estratégicas é essencial.

Analgésicos ao invés de vitaminas

Problemas criam oportunidades e, neste 2020, não estão faltando em problemas, não é mesmo?

De acordo com um estudo de 2009 da Fundação Ewing Marion Kauffman, extraordinários 57% das empresas da Fortune 500 foram fundadas em um mercado em recessão ou em baixa.

De repente, do nada, acordamos em um mundo diferente. Um mundo onde parte da população global está privada da vida social normal devido à disseminação do coronavírus. Tenho certeza absoluta que boa parte dos negócios não estava pronta para a digitalização. Estes precisarão escolher entre reinvenção ou morte.

Será a vez dos analgésicos! Dos negócios “must have” ao invés dos “nice to have”. Milhões de crianças não estão frequentando suas escolas. Como resolver isso? Visite qualquer lar em quarentena com filhos pequenos. Esses pais certamente têm uma série de novos problemas que precisam de uma solução. Pessoas precisarão cuidar da saúde, física e mental, e o teleatendimento está aí pronto para resolver o problema.

Dezenas de milhões de pessoas foram demitidas. Centenas de milhares de fachadas urbanas serão deixadas vazias por restaurantes fechados e varejistas em dificuldades financeiras. Que tal pensarmos em soluções para evitarmos espaços em branco de  2021?

Outro dia descobri um ditado alemão que diz que o cuidado é a mãe da caixa de porcelana. E refletindo sobre ele, sobre as maratonas e sobre o momento atual, deixo apenas um conselho: esteja preparado! Treine, cuide da alimentação, da saúde mental, siga junto da sua equipe e empresa! E lembre-se: mar calmo nunca fez bom marinheiro. 🙂

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Tatiana Pimenta

Tatiana Pimenta é CEO e fundadora da Vittude, startup de psicologia. Única brasileira finalista da premiação internacional Cartier Women's Initiative Awards, em 2019. Engenheira que se apaixonou pela Psicologia, pelo estudo constante do comportamento humano e da felicidade. Com mais de 15 anos de experiência profissional, foi executiva de sucesso em empresas de grande porte como Votorantim Cimentos e Arauco. Encontrou na corrida de rua e na meditação fontes de disciplina, foco, felicidade e produtividade.