O ano de 2022 foi o momento da consolidação dos formatos de trabalho e dos benefícios corporativos, tanto na prática quanto na legislação. Regulamentação que cristalizou e favoreceu a flexibilidade de ambos. No caso dos benefícios, contudo, isso não ocorreu sem riscos para as empresas, que devem se atentar às pegadinhas fiscais e trabalhistas nos contratos com as bandeiras de modalidades novas ou antigas. Esse cenário oportunizou às empresas especializadas o lançamento de novos produtos neste segmento, atendendo a demandas da gestão e do próprio usuário.
Em setembro, foi sancionada a lei 14.442/22, que dispõe sobre o Teletrabalho, regulamentando o home office, desde que devidamente expresso o seu formato em contrato trabalhista, alterando a MP 1108 sobre o tema. Auxílios alimentação e refeição também sofreram alterações, com a modernização do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
Os benefícios devem ser pré-pagos às operadoras, com limite de 18 meses para contratos anteriormente firmados com empresas do setor para valer a nova regulamentação: o uso do saldo fornecido apenas em estabelecimentos do ramo alimentício, estendendo-se as regras para o vale-alimentação, que ficava de fora das regras do PAT. Segue a isenção fiscal em 4% de imposto de renda para empresas de Lucro Real ou Presumido que aderem ao programa, comprometendo-se com suas normas, com base no valor pago a cada colaborador que recebe até 5 salários mínimos, além de isenção de encargos sociais sobre FGTS e INSS.
Normas para os vales-transporte também tiveram modificações durante a pandemia, adequando-se às demandas do home-office. O Decreto 10.854, de 2021, prevê a adequação do montante pago, flexibilizando seu uso segundo necessidade de deslocamento a trabalho, seja por transporte público, carro próprio (com auxílio do vale-combustível) ou bicicleta, prevendo gastos com estacionamento, zona azul, pedágio, ou por aplicativo de transporte (gerando crédito para o colaborador na plataforma determinada pela empresa). Parte desse valor pode ser configurado como auxílio home-office.
Em geral, a legislação já prevê diversos auxílios, com extensão a custeio de saúde (medicamentos, prevenção, psicólogo) e estudos, por meio do dispositivo de ajuda de custo. Desde que não desvirtuada a finalidade do valor fornecido, não incidem encargos sobre essas ajudas. Nenhum valor oferecido em forma de benefício pode ser sacado e usado para fins diversos do estabelecido.
Armadilhas
“A concessão de benefícios flexíveis é uma conduta crescente, mas ainda pouco regulamentada para fins tributários e previdenciários. Nesse cenário, é recomendável que antes de conceder qualquer benefício, seja ele flexível ou tradicional, a empresa verifique qual é a previsão legal e o entendimento dos Tribunais a respeito, para evitar qualquer fiscalização ou questionamento judicial indesejado, que possa representar uma contingência futura”, alerta Gabriela Locks advogada trabalhista do escritório Baptista Luz.
“Usualmente, vem se utilizando o termo ‘benefício flexível’ para caracterizar cartões que concentram diversas funcionalidades (vales-cultura, fitness, saúde mental, VA/VR, VT), de maneira a autorizar que a empresa faça um crédito único e o empregado possa alocar tal valor nas diversas funcionalidades conforme sua necessidade.” Mas, sem assegurar o seu uso apenas nas finalidades estipuladas e segundo a legislação, o valor destinado ao benefício se descaracteriza como tal.
É recomendável que antes de conceder qualquer benefício, seja ele flexível ou tradicional, a empresa verifique qual é a previsão legal
“É sempre necessário se atentar, inclusive, às CCTs (Convenções Coletivas de Trabalho), pois, ficam bem claros e evidentes os valores mínimos dos benefícios, formas e demais pontos a que a empresa precisa se ater”, entende o fundador e CEO da JFA Consultoria, especializada em benefícios, Flávio Sahib. “Atualmente a legislação vigente sobre o PAT e demais benefícios é bem clara. Desde que a empresa a aplique da maneira correta, dificilmente haverá problemas judiciais”, entende o especialista.
Já Eduardo Froehlich Zangerolami, especialista em Direito Tributário e sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, alerta para outros cuidados, que envolvem os cartões multibenefícios, até mesmo quando se trata somente das modalidades voltadas à alimentação do colaborador: “Apesar de a legislação do PAT possibilitar que os benefícios de alimentação e refeição sejam oferecidos no mesmo cartão, ela exige que a instituição de pagamento responsável pelo gerenciamento da conta garanta a escrituração de cada benefício em contas separadas”, diz o advogado.
“Caso a empresa que adota esse tipo de cartão não faça a segregação, há risco de as autoridades fiscais desqualificarem sua natureza assistencial e, ato contínuo, exigir contribuições previdenciárias sobre a totalidade do cartão, sob o argumento de que se trataria de remuneração indireta”, conclui Zangerolami. “Por se tratar de norma tributária que dispõe sobre a outorga de isenção, ela deve ser interpretada de forma literal, conforme exigido pelo art. 111 do Código Tributário Nacional, de forma que nem mesmo a previsão em convenção ou acordo coletivo supera esse entendimento”.
Vantagens
Já Matheus Rangel, CGO da Niky, startup de meios de pagamento, comenta que a nova legislação contribui para a flexibilização dos benefícios, além de favorecer a concorrência, com a possibilidade de novas operadoras entrarem no mercado, além de ampliar a rede de estabelecimentos que os aceitam e diminuir custos para eles.
“Antes, para a empresa se beneficiar do Programa de Alimentação do Trabalhador, era necessário trabalhar com bandeiras fechadas, oferecidas pelos tradicionais players do mercado. Agora, a oferta é livre. Os benefícios flexíveis são valores creditados em um cartão e não são fornecidos em dinheiro, com a garantia, porém, que cada saldo será utilizado conforme a legislação permite”, explica Rangel. A portabilidade de operadoras e a adesão livre estarão disponíveis em 2023.
Há, ainda, melhora na gestão dessas operadoras. “Os responsáveis pela área não precisam mais lidar com uma gama imensa de fornecedores pulverizados, ganhando capacidade de controle por meio do contrato com um único prestador”.
Rangel destaca que os benefícios são um fator muito importante da relação entre empresas e colaboradores. “Na cultura brasileira, eles podem ser tão significativos quanto o próprio salário. São especialmente eficazes para equipes mais jovens, na faixa etária entre 20 e 30 anos, que valorizam a liberdade de escolha. Com a satisfação, também há a tendência de aumento na motivação da equipe e, consequentemente, na produtividade, no desempenho e na retenção de talentos”.