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Assédio moral também no home office

Não é porque o trabalho está sendo executado de casa que esse problema deixa de existir

Em meio à pandemia, alguns hábitos mudaram. Entre eles, podemos citar as milhares de pessoas que passaram a trabalhar em casa, no chamado home office. Nestes tempos, o assédio moral pode existir, tanto em relação ao trabalho, quanto às relações familiares, no qual uma das partes usaria a crise como pretexto para determinadas ações. De um lado está a necessidade de empresas e pessoas entenderem as dificuldades e limitações de cada um; do outro, a possível chance para tirar vantagem ou assediar alguém. O assédio moral é uma situação em que o trabalhador é exposto a situações humilhantes, constrangedoras, vexatórias durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Em determinadas situações, notamos alguns tipos de assédio moral. Por exemplo: o empregado precisa estar logado no sistema às 8 horas, em casa, pois a empresa exige, e não tem horário para sair, porque está em casa; se houver uma demanda às 21 horas, esse empregado deve continuar trabalhando e se o chefe chamá-lo pelo aplicativo de celular, ele deverá responder. Aqui, percebemos duas violações: a primeira relaciona-se aos Direitos Humanos, que é a dignidade do empregado que dedica a maior parte do seu tempo a produzir para a empresa, deixando seus afazeres pessoais em segundo plano. A segunda relaciona-se à existência desse trabalhador no mundo. Parece dramático, mas não é.

Devemos nos atentar para a ocorrência do assédio moral (no Direito de Família) contra qualquer membro que compõe o núcleo familiar, sem que haja qualquer distinção

A existência do trabalhador perante sua família, seus amigos, social e religiosamente, suas crenças, seus afazeres pessoais e sua saúde física e mental é cortada com o excesso de trabalho gerado em home office. Inclusive a própria legislação trabalhista permite a flexibilização. Só esse fato da inexistência do empregado no mundo gera um dano a ele e à sociedade, que intitulamos de Dano Moral Existencial. 

Nesse caso, o assédio que o empregado sofre é de forma indireta pela empresa, e pela sociedade, de não ter horário fixo de jornada telepresencial. O que está se percebendo é o descompasso entre vida pessoal e profissional, o desespero das empresas de produzir e o de obter lucro para se manter ativa e sempre crescendo. A questão é: até onde isso traz benefícios à sociedade?

Exaustão física e emocional do assédio

Outra caracterização de assédio moral no trabalho em home office é o chamado Burnout, caracterizado por uma exaustão física e emocional de excesso de trabalho. Mesmo trabalhando de casa, a empresa necessita observar se o trabalhador está física e psicologicamente bem, fiscalizando seu trabalho. Caso contrário, deve arcar com a responsabilidade do assédio e dos danos causados por doenças ocupacionais, depressão, suicídio, dentre outros males.

O que muitos empregados desconhecem é que o assédio moral pode ser praticado tanto pelo chefe, dono, patrão, quanto por outro colega de trabalho. O mais comum são chefes que assediam os seus empregados, mesmo que indiretamente. Vale ressaltar aqui que o assédio moral é classificado por quatro fases.

A primeira, chamada “conflito”, é a ponta do iceberg. São conflitos interpessoais que poderiam ser resolvidos pelo diálogo e que envolvem pessoas com interesses distintos, gerando problemas pontuais, desencadeando um ponto de partida para os enfrentamentos. A segunda fase é a da estigmatização. Nela, o assediador humilha a vítima, utilizando comportamentos perversos para isolá-la socialmente. A terceira é da intervenção na empresa, o conflito é percebido pela direção da companhia, pelo departamento de recursos humanos, o que pode gerar tomadas de decisões de transferir a vítima de posto de trabalho ou o assediador.

A quarta fase, chamada de marginalização, é a exclusão da vítima da vida laboral da empresa. Esta fase termina com a vítima abandonando seu emprego depois de ter suportado consequências deletérias para sua saúde, ter solicitado vários períodos de licença, mudança do local de trabalho etc. Excepcionalmente, o empregado assediado pode chegar ao suicídio.

Trotes corporativos

O que se deve observar é que muitos trabalhadores sequer percebem que são vítimas dos assediadores, inclusive em home office, que separa a vítima e o assediador por uma tela virtual, tornando-se mais fácil assediar.

A prática de telefonema após o expediente, exigindo a entrega de um trabalho, pode ser considerada um assédio, por violar os direitos existenciais desse trabalhador, que não é uma máquina e deve ser respeitado.

Outra prática, muito comum, que quase é ignorada pela empresa, é o tratamento que os empregados de anos de companhia fazem com os novatos, como se fosse um trote de faculdade, exigindo esforços e trabalhos como se fossem chefes, ocasionando um estresse desnecessário no ambiente de trabalho e o assédio.

Há divergências entre empregado e empregador, mas elas devem ocorrer dentro de um clima de respeito mútuo, pois é algo normal e até construtivo pela existência de discussões e consenso entre as pessoas envolvidas em um mesmo projeto. Porém, o que não pode ocorrer é que, por detrás das divergências, aflore o desrespeito, a perseguição e a violência.

Para evitar os conflitos na seara trabalhista, é indubitavelmente importante que a empresa, por meio de métodos de gestão, dê o exemplo de modo transparente de funcionamento que permita a todos agir de maneira sadia. Se a empresa respeitar verdadeiramente as pessoas que compõem o grupo, isso terá uma aura positiva sobre o comportamento desses indivíduos.

A prevenção a todas as formas de desvios relacionais pode produzir valor agregado e resultados, pois em estruturas sólidas e sadias o assédio moral não tem lugar.

Por fim, as consequências geradas pelo assédio moral não se limitam à saúde do trabalhador, mas também à esfera social da vida do empregado, trazendo consequências econômicas para ele, para a empresa, para a sociedade e até para a família.

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Said Maani Hessari Junior

Said Maani Hessari Junior é advogado na área trabalhista, pós-graduado e especializado em Direito e processo do trabalho e apaixonado por resoluções de conflitos pacíficos