Entrevista

Como desenvolver lideranças

Vicky Bloch comenta caminhos para atuar em um ambiente de maior flexibilidade: "Quem não expõe a sua vulnerabilidade, não consegue evoluir"

de Jussara Goyano em 3 de junho de 2022
Arquivo Pessoal

Com mais de 30 anos de atuação em desenvolvimento humano, a psicóloga, coach e consultora Vicky Bloch esteve à frente do RH de empresas como Bunge, Bancos Bandeirantes e Comind. Sua experiência em desenvolver e treinar altos executivos, principalmente em processos de sucessão de comando, mostra caminhos para o enfrentamento do novo cenário das lideranças, mais flexível, de menos poder e controle, com mais confiança e, sobretudo, mais vulnerabilidade. O recado da especialista é, neste momento sem respostas, abandonar o “pedaço ator” e conhecer a si mesmo, criando um espaço em que assumir os próprios gaps cria condições para o desenvolvimento dos liderados. Dizer “não sei” e mostrar interesse em aprender é a chave para crescer. Acompanhe a entrevista concedida com exclusividade à Melhor RH.

Melhor RH – Quais são os desafios deste momento para os líderes e para as equipes, principalmente com relação a engajamento?
Vicky Bloch (VB) – Eu acho que um dos principais desafios é deixar de fazer algumas coisas que você fazia de um jeito até agora pra fazer de outro. Isso significa o seguinte: todos os comportamentos vinculados a poder e comando, a situações muito estruturadas, com muito processo, eles terão que ser revistos, porque todas as relações hoje são de grandes negociações entre liderança e subordinado, de transformação de processos para ambientes de trabalho menos estruturados. Não só os ambientes físicos, mas o ambiente de conversa, também. Quem passa pelo processo [de pandemia], vendo um final como a morte, estabelece prioridades diferentes. Como líder você vai encontrar as pessoas transformadas, revisando suas prioridades. A liderança não tem o domínio de dar respostas. Ela consegue facilitar processos, ter mais “escuta ativa”,  vai precisar negociar mais, vai precisar ser mais criativa nas soluções individuais. Acho que essas são as grandes transformações.

Melhor RH – Você acredita que, hoje, a liderança é menos para o coletivo e mais “um pra um”?
VB – Se você está falando na orientação dos subordinados, sim, eu acho ela muito mais individual. Mas dito isso, o coletivo – quer dizer, aquilo que o teu grupo faz – vai exigir muito mais a noção de coesão, a noção de trabalhar de forma cooperativa, porque todas as soluções são coletivas do ponto de vista do trabalho. Estamos falando de duas coisas diferentes: o endereço da gestão é individual, para pessoas,  mas as soluções de negócios são de grupo. É a interdependência –  o conceito mais forte que a gente tem agora. Tudo o que eu faço afeta o outro e, portanto, fazer pactos com o outro é fundamental.

Melhor RH – E de onde está vindo esse preparo das lideranças?
VB – Eu acho que, primeiro, é um trabalho forte de autoconhecimento. Acho que as pessoas precisam, agora, olhar para si e entender claramente o que é que elas têm para contribuir com esse momento e o que lhes falta. Então, acho que a possibilidade de esses líderes terem esse processo de autoconhecimento vai ajudar muito. Porque, na medida em que eu sei que tem coisas que eu preciso fazer diferente, que eu não sei fazer, eu posso pedir ajuda. A segunda coisa importante é essa apresentação da vulnerabilidade – um dado novo do sistema -, você dizer “não sei, não era feito”… Hoje, o “não sei” te permite crescer. O admitir, primeiro, para você, que é preciso desenvolver algumas coisas, teus gaps – começa por a gente mergulhar em si mesmo e entender esses gaps que a gente tem pro cenário novo.

Melhor RH – Isso reforça ainda mais a necessidade da escuta ativa, não?
VB – Não é só o outro a ter uma escuta ativa para mim, mas eu ter uma escuta ativa também para o ambiente. Mesmo se eu não sou um líder, se eu não sou um funcionário que lidera pessoas, ter uma escuta ativa para o ambiente vai facilitar o desenvolvimento do meu trabalho. Quando falamos de escuta ativa, estamos falando do desenvolvimento da nossa capacidade de entender melhor onde eu estou situada. É assimilar o desconforto do outro, a capacidade do outro. Estamos falando de um comportamento genuíno, porque senão você também escuta ativamente, mas deleta, né?

Melhor RH – É basicamente empatia, Vicky?
VB – Eu não usaria a palavra empatia, só para gente não remeter a um conceito antigo, tá? É empatia, mas é mais profundo.

Melhor RH – Esse líder, estando preparado, como ele transmite essa segurança para sua equipe? Como ele faz para manter a equipe engajada?
VB – Acho que você tem de desenvolver primeiro um ambiente onde as pessoas podem acreditar, confiar, que elas estão fazendo alguma coisa por um determinado propósito. Criar um clima, um ambiente de transparência e confiança ajuda a pessoa a fazer isso que você está falando. Se engajar. Eu vou junto com o outro na medida em que eu entendo para onde eu estou indo. E como nós vamos lá? Vamos juntos com que valores? Se você oferece o espaço a partir de pactos que você cria, de informações que você dá, de abertamente discutir as questões que estão conflituosas, esse é o ambiente que cria engajamento A gente não se engaja numa tarefa. A gente se engaja numa ideia, num propósito, numa direção, num ambiente. Esse é o desafio da liderança, ela tem que oferecer esse espaço, e só oferece se ela mesmo acreditar. Quer dizer, isso seria a base mais do que qualquer estabelecimento de processos, de métodos, mas um processo e método facilitam. Mas você pode dar processo e método e se o indivíduo não entender para onde ele está indo, se ele não confiar naquele ambiente, o processo ou o método não têm função nenhuma.

Melhor RH – Você citou uma coisa importante que é um ambiente de confiança. Os líderes estão aprendendo a confiar nos seus liderados. Isso é uma coisa bem importante, para lidar com a flexibilidade atual, não?
VB – Se você continuar no modelo de comando e controle  – e isso quer dizer que você não confia -,  você fica inseguro. Mas se você desenvolveu com a sua equipe uma relação anterior, que te permite perceber que a entrega continua a mesma, ou se você tem um subordinado novo, você tem que estabelecer um processo diferente do que você tinha antes. Essa forma de acompanhamento é que eu acho que é crucial, criar um comportamento assertivo.

Melhor RH – O que que você sugere nesse sentido?
VB – Uma interação mais frequente, não só sobre o trabalho, mas uma interação mais frequente, assim, mais profunda, no individual, no pessoal.

Melhor RH – Qual a mensagem para os líderes, liderados, equipes em geral, para que se sintam confortáveis em mostrar suas vulnerabilidades, para que aproveitem esse momento para se expor e crescer,  como você mesma mencionou?
VB –
Que hoje em dia quem não expõe a sua vulnerabilidade,  quem não diz que não sabe ou não pergunta como faz não consegue evoluir. Eu enxergo esse momento como momento de libertação das lideranças. Porque eu sempre achei que a gente tinha um exercício que permitia que eu fosse eu mesma até um até um limite X. A gente tinha um pedaço de ator no processo. Esse momento em que as pessoas têm poucos referenciais fixos e firmes nos permite dizer não sei, significa que a gente pode ir em busca de novas relações, novas conversas muito menos travadas, muito mais livres. Vai dar trabalho, porque a gente não sabe lidar com o ambiente assim. Por outro lado,  é um ambiente que não vai exigir que eu represente um papel, que eu tenha que o tempo inteiro lembrar que papel que eu estou cumprindo. Mas, sim, que me põe mais inteiro no processo, à disposição do outro, mas também pedindo para o outro estar presente na relação.

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