Organizações brasileiras intensificam a contratação por competências, substituindo os currículos tradicionais por análises objetivas de entregas, vivências práticas e potencial. A lógica desloca foco do diploma para habilidades aplicadas, avaliando como candidatos resolvem desafios reais e se adaptam.

Segundo Joel Dutra, professor da FIA, Fundação Instituto de Administração, esse modelo promove integração cultural, reduz ruídos iniciais e assegura profissionais mais preparados para demandas organizacionais complexas e colaborativas. “A transição responde às transformações digitais, novas carreiras emergentes e maior exigência por diversidade e inclusão dentro das corporações”, justifica.
O docente ainda reforça que grandes empresas estruturam entrevistas por competências, utilizando roteiros, perguntas objetivas e métricas de desempenho para garantir decisões transparentes. “O uso responsável de inteligência artificial complementa a análise humana, eliminando vieses e promovendo alcance mais abrangente no recrutamento”, completa.
De acordo com Dutra, “o objetivo é oferecer uma visão equilibrada, reunindo perspectiva acadêmica crítica e experiências práticas. Esse cenário reforça importância estratégica de alinhar contratações à cultura organizacional, ao desenvolvimento sustentável e às necessidades futuras”.
Habilidade é passageira. Competência gera resultados
“Não contratamos habilidades isoladas, contratamos competências”, afirma Dutra, enfatizando entregas consistentes como medida principal. Ele diferencia as duas definições: “Habilidade é passageira; a competência representa capacidade sustentada de gerar resultados diante de mudanças constantes e complexidade crescente.”
O professor da FIA ainda ressalta que poucas organizações abandonaram exigência de educação formal. “Trata-se de uma referência relevante em diversos segmentos brasileiros contemporâneos”, explica.
Para reduzir vieses, ele recomenda mapear “entregas esperadas” e descrevê-las como competências-chave nos anúncios de vagas corporativas. “Sem esse cuidado, contratar apenas por habilidades torna-se arriscado, especialmente em setores extremamente competitivos e carentes de referências sólidas”, pondera.
“Aprender a aprender é a competência essencial para futuro”, reforça, destacando o papel das universidades no desenvolvimento contínuo.
Dutra pondera que a educação formal historicamente promoveu inclusão social, mas ainda carece de avanços consistentes para alterar as desigualdades brasileiras. “A recomendação final é clara: manter competências como norte metodológico, evitando modismos e construindo consistência nos processos de seleção”, indica.
Dessa forma, na opinião do docente, empresas e candidatos têm mais objetividade, clareza e previsibilidade, fortalecendo vínculos desde a contratação até a integração.
Práticas da Accenture com entrevistas por competências

Na Accenture, “a entrevista por competências avalia como os candidatos aplicam habilidades em situações concretas”, relata Juliana Souza, líder de recrutamento para o Brasil.
A multinacional de consultoria estruturou perguntas específicas e mapeou comportamentos esperados para cada cargo, alinhando recrutamento e seleção a diferentes áreas. Juliana explica que a inteligência artificial auxilia na triagem, garantindo justiça e abrangência na análise de perfis diversificados.
Juliana detalha que o método iniciou com cargos executivos e expandiu para posições técnicas, trazendo assertividade e melhor integração dos profissionais. “A aderência cultural aumentou e o turnover diminuiu, reforçando nossos valores organizacionais”, explica a líder de recrutamento sobre os ganhos percebidos.
Ela também ressalta que, ao contrário do esperado, não houve resistência interna. “Entrevistas estruturadas reduziram subjetividades e aumentaram a confiança dos gestores”, garante.
A empresa também coleta métricas de performance e retenção, ajustando práticas e garantindo a evolução contínua do modelo implementado. “Treinar os recrutadores foi essencial, pois entrevistas exigem preparo, roteiros detalhados e consolidação criteriosa de impressões coletadas”, enumera.
Juliana reforça importância de complementar os currículos com avaliação de habilidades reais, tornando decisões mais consistentes e transparentes. “Diplomas continuam necessários em áreas reguladas; o equilíbrio entre formação acadêmica e experiência prática eleva a qualidade”, conclui.
Inclusão e blind hiring na Cargill

Na Cargill, o foco em contratação por experiência fortaleceu a diversidade e a inclusão, pilares estratégicos para negócio global.
Nathalia Sobral, diretora de Talent Acquisition LATAM, detalha a revisão das descrições de cargos, adotando linguagem inclusiva e requisitos flexíveis que consideram múltiplas trajetórias. A companhia implementou o blind hiring, ocultando informações pessoais nas fases iniciais e realizando entrevistas online com câmeras desligadas.
“São utilizados testes práticos e entrevistas técnicas, priorizando competências efetivas e experiências verificáveis de candidatos. Programas de estágio e trainee foram primeiros a adotar blind hiring, promovendo um ambiente psicológico seguro desde o início”, relata a executiva.
Segundo Nathalia, uma assistente virtual auxilia os candidatos com informações relevantes e, em breve, o suporte será expandido ao celular, ampliando a acessibilidade. “Os resultados registram um aumento na participação de mulheres, pessoas com deficiência e profissionais negros, reforçando a inclusão dentro das equipes”, detalha.
De acordo com a diretora de Talent Aquisition, os gestores recebem treinamentos para avaliar competências, substituindo vieses subjetivos por critérios objetivos, consistentes e alinhados.
Nathalia destaca parcerias externas e fortalecimento de grupos internos como o AfroCargill, grupo de afinidade de colaboradores e colaboradoras focado na promoção da inclusão e no combate ao racismo e o Pride, que visa a promoção, empoderamento e apoio às pessoas LGBTQIAP+, sustentando mudanças duradouras. “Olhar potencial e experiência amplia funil, melhora decisões e, sobretudo, impulsiona a inovação”, resume, refletindo o propósito estratégico.
Recomendações finais e aprendizados ao RH
Os especialistas sugerem mapear competências verificáveis, criar roteiros estruturados e dar feedbacks transparentes aos candidatos em todas as etapas.
Para o professor Joel Dutra, as descrições de vagas devem ser inclusivas, evitando barreiras desnecessárias e valorizando alternativas de formação e aprendizado contínuo.
Já Nathalia Sobral, da Cargill, indica implementar blind hiring em fases iniciais, pois ajuda reduzir vieses, fortalecendo diversidade e promovendo justiça organizacional.
Por fim, Juliana Souza, da Accenture, afirma que o uso de inteligência artificial deve ser acompanhado de auditorias, bem como, supervisão humana, garantindo decisões éticas e transparentes.
Dicas práticas para implementar um recrutamento por competências eficiente • Treinamentos constantes em entrevista por competências e análise comportamental, fortalecendo decisões colegiadas. • Combinar diplomas, quando necessários, com análise prática de habilidades torna decisões mais completas e assertivas. • Monitorar métricas de qualidade da contratação, turnover e integração inicial para avaliar impacto da metodologia. • Adotar redes de afinidade, mentoria e liderança ativa sustentam cultura de diversidade e inclusão dentro das corporações. |