Gestão de pessoas

Felicidade corporativa não é panaceia

Como desmitificar o tema e dar início e consistência a programas essenciais ao cuidado genuíno com o colaborador e à sobrevivência da marca empregadora

de Jussara Goyano em 11 de julho de 2023
Benzoix, via Freepik.com

É fato repetido à exaustão que a pandemia alterou a percepção dos gestores sobre a necessidade de zelar pelo bem-estar do time. A partir dessa experiência, o cuidado, que antes era diferencial, tornou-se exigência dos colaboradores, que mostraram, na prática, que sua felicidade e desempenho dependem sobremaneira de como se relacionam com o trabalho, a carreira, a empresa que os acolhe, entre outros fatores. 

A relação torna-se potencialmente positiva à medida que as organizações satisfazem sob medida às necessidades desses profissionais. O pacote de demandas engloba bons salários, benefícios, reconhecimento e oportunidade de desenvolvimento, segurança psicológica, saúde física e mental. Os propósitos também devem ser alinhados, entre colaborador e empresa.

O que parece ser uma equação exata para fazê-los felizes e produtivos, contudo, não é. 

Tudo depende de como essas entregas serão empacotadas e repassadas ao colaborador.

  • De acordo com o World Happiness Report 2023, realizado pelo Instituto Gallup, renda, emprego e bons relacionamentos no trabalho ainda estão entre os principais fatores para melhorar o bem-estar das pessoas, assim como ter saúde física e mental, entre outros.

Do lado da empresa, muitos líderes, aos quais se atribui a segurança psicológica de seus liderados, ainda não estão preparados para esta conversa. O budget, então, para manter uma estrutura razoável de acolhimento das demandas dos profissionais, muitas vezes, é enxuto ou inexistente, não satisfaz suas necessidades mais básicas nem serve a programas de felicidade corporativa.

Especificamente sobre  “felicidade”, o termo tem compreensão altamente subjetiva por um lado e, por outro, vem carregado de mitos e definições que não condizem com o atual estágio de estudos sobre o impacto do bem-estar da equipe nas organizações, dificultando conversas sobre o tema e tornando a prática que o envolve mais tóxica do que efetiva.

Fuja de estereótipos, apele para a neurociência

Sérgio Amad, CEO da Fiter:
gatilhos dopaminérgicos para bem-estar no trabalho

Diante de tantos desafios para emplacar a felicidade corporativa, tratar corretamente o tema, no início de sua abordagem, parece estar entre os maiores. “A gente ainda corre o risco de ser alvo de chacota ao fazer a introdução do tema felicidade nas empresas”, entende Sérgio Amad, CEO da Fiter, que mede bem-estar nas organizações, com ferramentas para predizer eventos que afetam o quadro de colaboradores e a gestão da companhia.

Para começar com o pé direito, o especialista sugere uma abordagem com um olhar científico e pragmático do ponto de vista do que é possível ser feito diante de metas específicas de cada empresa. E discorre sobre a definição neurocientífica de felicidade, em que é considerada “a capacidade do cérebro de gerar dopamina com quatro diferentes gatilhos”, em se tratando do universo corporativo.

A sensação de compatibilidade com o cargo está presente em um dos gatilhos e, junto a outros fatores, pode apontar caminhos eficazes para aumentar o nível de felicidade das equipes. Orgulho de pertencer também está presente, o que tem a ver com fit cultural e alinhamento de propósitos entre empresa e colaborador. Outra peça desse quebra-cabeças produtor de dopamina, segundo Amad, é a sensação de alta produtividade experimentada pelos profissionais.

“Isso acontece quando percebem estar fazendo excelentes entregas”, explica o executivo. (E a relação é inversamente proporcional: quanto mais felizes, essas pessoas têm maior performance – de cada 10 com alto nível de bem-estar, oito têm alto desempenho, informa Amad.)

Clima corporativo favorável também contribui para o cenário dopaminérgico e feliz. Eis, então, os dados que podem dar consistência a um bom programa de felicidade corporativa e à argumentação junto ao board para sua implementação estratégica.

Encarar o tema de forma consistente, também, ele explica, é uma questão de humanização na compreensão das relações corporativas, o que se verifica recorrendo a siglas e nomenclaturas surgidas da relação das companhias com o mercado, mas que podem refletir as relações internas.

São elas: B2B (business to business), B2C (business to consumer), sintetizadas, mais recentemente, em H2H (human to human), sigla e expressão que compreendem que interações corporativas, internas ou com entes externos à empresa, envolvem sempre pessoas, suas emoções, bagagem social e expectativas, em uma jornada que deve ser significativa.

Por onde começar

Paola Klee, Diretora de Pessoas e Cultura da GT7: gestão de pessoas por projeto amplia satisfação com o trabalho

Seja qual for o cenário ou a empresa, convencer o board sobre a necessidade de um programa de felicidade é o primeiro passo. Em se tratando de um terreno fértil em preconceitos, a terminologia talvez tenha de ser adaptada, como sugere Paola Klee, Diretora de Pessoas e Cultura da GT7- empresa do Grupo Todos Empreendimentos.

Emplacar o projeto passa, muitas vezes, segundo a executiva, por “trazer a felicidade para um vocabulário que faça sentido para a realidade organizacional e seja palatável às lideranças”. Na argumentação, trazer métricas internas relacionadas ao tema, se houver, é importante. “Algumas iniciativas no mercado, realizadas sem base em dados, criaram certa reticência entre os gestores”, entende a executiva.

Uma vez entendido o conceito e o cenário, o que as empresas devem fazer, na prática, para aumentar seus índices de felicidade corporativa? Bastaria alimentar os gatilhos mencionados por Amad para que se tenha o melhor dos mundos em termos de bem-estar da equipe, mas a questão é como fazê-lo, sob a realidade de cada companhia.

Amad explica que as empresas têm tido dificuldade com esses gatilhos ao oferecer planos de carreira tradicionais, em que as jornadas dos colaboradores não os desafiam suficientemente em suas habilidades e demandas ligadas a cada fator dopaminérgico da felicidade no trabalho. 

  • Estudos de Mihaly Csikszentmihalyi, um dos principais expoentes da Psicologia Positiva (que inclui achados das Neurociências), e colegas apontam que, ao agir em sua zona de excelência, o profissional experimenta o estado de flow. O momento é de alta concentração e rendimento, em que o colaborador não precisa de supervisão ou controle, e que a atividade exercida é altamente recompensadora. Quanto mais flow, maiores os índices de bem-estar.

Paola, por sua vez, observa que, no que diz respeito a essa dinâmica, uma empresa que organiza a jornada dos colaboradores por projetos e não apenas por cargos, pode obter sucesso, permitindo a eles variadas formas de atuar na organização e de exercer todo o seu potencial.

Na GT7, a equipe apresentou ótimos resultados nesse sentido. “Trabalhar com OKRs e com papéis e responsabilidades definidos por projetos, ao invés da descrição de cargos, foi uma alavanca para nós”, explica Paola. “Isso nos permitiu proporcionar maior alinhamento e autonomia para os times definirem suas atividades, gerenciarem o seu volume de trabalho e experimentarem novas habilidades”, conta a executiva, sobre o olhar mais estratégico que a implementação do framework ágil possibilitou, aumentando os índices de engajamento e satisfação com o trabalho.

O básico importa, as relações também

Dani Plesnik, Diretora de Talento e Cultura
na consultoria Deloitte no Brasil: empresa é case de Felicidade

Dani Plesnik, Diretora de Talento e Cultura na consultoria Deloitte no Brasil, vivenciou e pilotou uma revolução na gestão de pessoas na empresa, que se tornou case de felicidade corporativa nos últimos anos. Foi uma questão, posta entre 2020 e 2021, de colocar os colaboradores no centro das decisões, envolver suas famílias e zelar para que pontos de melhoria no quesito “cuidado” não fossem negligenciados nas estratégias da companhia. 

A tática também envolveu trazer “felicidade” para a cultura corporativa em outros termos, sem o peso famigerado do tema. Desde um dresscode mais amigável à geração de mecanismos de maior identificação entre as equipes e com os projetos e a cultura da empresa, “o objetivo era humanizar as relações e quebrar a cadeia de comando e controle das hierarquias”, explica Dani. 

  • Estudo publicado em 2009 pela Universidade de Chicago mostrou que o pior momento do dia das pessoas é o encontro com o chefe ou superior direto. Insight trazido pela pesquisa é referência até hoje no que diz respeito a humanização do trabalho a partir das lideranças e felicidade corporativa.

Na prática, e fazendo links com áreas estratégicas da companhia, como, por exemplo, Diversidade e Inclusão, esse processo deve transbordar o propósito da empresa, complementa a executiva.

As métricas sobre clima, bem-estar, engajamento, entre outras – ela explica, foram inseridas nessa jornada sem transformar o colaborador em número, utilizadas de forma estratégica pelos gestores envolvidos no projeto de transformação cultural.

“É sobre como as pessoas abraçam umas às outras e sobre como isso é simples. Pode ter grandes investimentos para isso? Pode, mas pode também não ter”, comenta a Diretora de Talento e Cultura, sobre fazer grandes transformações com baixos orçamentos.

Sobre essa simplicidade, “se tu não tens o básico, tu não consegues falar de felicidade”, acredita a executiva: é preciso que salários, benefícios e outros processos da gestão estejam em dia para investir em diferenciais.

Segurança psicológica está, também, entre os itens essenciais, lembra Dani, sobre a necessidade de fornecer condições básicas para a condução do trabalho e também mitigar conflitos vindos de um ambiente de intolerância e lideranças tóxicas.

Gisele Andrade, Gerente
de RH na RB: medidas simples
aumentam o bem-estar
da equipe

Gisele Andrade, gerente de RH da RB, empresa de gestão de benefícios, por sua vez, relata experiência semelhante, em que o cuidado simples e próximo das equipes fez a diferença na pandemia. “Chamávamos para conversar, saber como estavam se sentindo, dando suporte de perto ao time e a sua família”, enumerou Gisele,  sobre os cuidados que seguiram também no período pós-pandêmico.

Em escala diferente, de centenas de funcionários na RB, para milhares, no caso da Deloitte, o princípio é o mesmo, de um cuidado humanizado, de proporcionar pertencimento e identidade, de repassar essa intenção a partir do indivíduo para o time e, em consequência, isso fluir para a cultura e o propósito da empresa.

Dani, lembra, no entanto, que esse cuidado não precisa nem deve mais vir somente do RH, incumbência exclusiva que se via até recentemente. Os líderes são grandes aliados e precisam ser capacitados para cuidar de suas equipes.

Expectativas e instituições

Gustavo Tavares, Gerente Geral para as Américas do Instituto Top Employers: Felicidade é Expectativa menos Realidade

Gustavo Tavares, Gerente Geral para as Américas do Instituto Top Employers, que certifica as melhores marcas empregadoras no Brasil e no mundo, incluindo o bem-estar do time em suas avaliações, resume a felicidade a uma equação que subtrai a Expectativa da Realidade (R-E) do colaborador nas organizações.

“90% dos problemas só existem até a hora que você desliga a internet”, entende o executivo, certo de que o ambiente corporativo, seja ele vivenciado em home-office ou de forma presencial, absorve a maior parte das preocupações do colaborador.

O que mais aflige são as expectativas: “E se não gostarem do que vou apresentar? E se eu estiver vestido de terno preto e todo mundo estiver de tênis? Como eu faço para ser promovido?”, exemplifica Tavares sobre questões mais triviais do dia a dia organizacional, mas que nem sempre são devidamente endereçadas ou resolvidas com transparência na cultura da empresa. Para o executivo, a falta de acolhimento dessas questões, por si, gera barreiras impeditivas para os gatilhos mencionados por Amad. 

  • Segundo o World Happiness Report 2023, uma vez que a felicidade é aceita como o objetivo institucional, sobretudo a partir de estruturas governamentais, isso tem efeitos profundos nas práticas de pessoas. A saúde, especialmente a mental, assume ainda mais prioridade, assim como a satisfação com o trabalho.

Quando adepta de programas de felicidade, para Tavares, é preciso que a empresa acolha, também, aqueles que não se interessam pelo tema, com esforços de comunicação específicos para que o cumprimento das metas não se dilua nesses grupos, mas de maneira que não se sintam afrontados pela proposta da companhia. 

O Gerente Geral do Instituto Top Employers para as Américas lembra, ainda, que a felicidade, quando promovida institucionalmente e de forma intencional, é investimento, e não gasto, e permite a implantação da cultura em 360° nas organizações.

Propósito e fit cultural: tendências em felicidade corporativa

O chamado fit cultural, alinhamento do colaborador com a cultura e a missão da empresa, pode ser fator de maior bem-estar corporativo e impacto na marca empregadora.

“Observe na empresa de vocês: se a palavra ‘problema’ aparece muitas vezes nos diálogos, esse fit cultural pode estar doente. Começa a ter lideranças usando termos negativos o tempo todo, o que se associa à marca”, enfatiza Sérgio Amad, CEO da Fiter, startup que mede felicidade nas empresas.

Por outro lado, forçar o fit cultural nem sempre contribui ao bem-estar corporativo e favorece a sua marca empregadora. Para favorecer um ambiente mais diverso e criativo, “devemos buscar o culture add, ou seja, pessoas que tenham congruência com os nossos valores e propósito, mas que possam somar e contribuir com a evolução da nossa cultura”, destaca Paola Klee, da GT7 – empresa do Grupo Todos Empreendimentos.

Amad, por sua vez, menciona que relacionar turnover alto exclusivamente ao fracasso do fit cultural é um erro. “A vida é um turnover”, destaca o executivo. É preciso considerar, segundo ele, os momentos de vida pelos quais o colaborador passa em seu ciclo na empresa, assim como é preciso considerar a noção subjetiva de felicidade do colaborador na sua decisão de buscar novas oportunidades. Daí a necessidade de acompanhar esse profissional bem de perto, do recrutamento ao offboarding.

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