Gestão de pessoas

O engajamento vai ser maior daqui para a frente

Para a diretora de RH da Visa do Brasil, o trabalho remoto, a postura da liderança e o cuidado das empresas com os colaboradores são os principais motivadores desse comprometimento

O protocolo adotado pela Visa do Brasil para a volta dos funcionários ao escritório contou com algumas restrições das quais a empresa não abre mão. O objetivo é cuidar bem da saúde e segurança de todos, uma preocupação que foi bem assimilada.

Durante o período de home office (que vai até o fim deste ano para quem desejar), a organização não mediu esforços em manter uma comunicação clara, assídua e transparente, contando com a ajuda do CEO global e demais líderes regionais – e não deixou de lado a informalidade e as conversas do cafezinho com os colaboradores. Como lembra Priscila Monaco, diretora de RH da companhia, mesmo a distância é possível manter o relacionamento com os colegas, só que de uma nova forma. Ela acredita que com essas ações e a ajuda da liderança e, também, da aceitação e vantagens do home office é possível dizer que o engajamento vai ser maior daqui para a frente.

Melhor – Como foi lidar com as mudanças no início da pandemia?

Priscila Monaco – Começamos o home office no dia 13 de março. Anteriormente à pandemia, já tínhamos uma política que permitia trabalhar em casa um dia por semana. E tivemos de nos adaptar rapidamente. Não foi preciso deixar ninguém no escritório que fosse ligado a alguma atividade especial. E nesse processo, contamos com uma vantagem: 100% de nossa população já tinha os equipamentos e ferramentas de trabalho necessários, como notebooks e celulares. Essa parte de equipamentos e tecnologia não demandou uma corrida contra o tempo. Então, passamos a nos preocupar com o bem-estar dos funcionários e também em como assegurar que as atividades teriam continuidade. Tanto globalmente quanto regionalmente, na Visa, contamos com algumas ações que foram recorrentes desde o início da pandemia. A primeira mensagem que passamos para todos os colaboradores foi a de que a empresa estava preocupada, em primeiro lugar, com a saúde, com o bem-estar e com a segurança de todos. Por conta disso, tivemos algumas confirmações por parte de nossos líderes globais. A primeira delas foi a de que não iríamos desligar nenhum funcionário da empresa, mesmo que tivesse uma performance que não fosse esperada. Esse compromisso foi deixa do claro desde o início.

Concomitantemente, reforçamos nossa intenção de permitir que todos os colaboradores poderiam trabalhar de casa até o fim deste ano, mesmo que voltássemos ao escritório antes – pois ninguém sabia, e nem sabe, até quando esta pandemia vai durar.

Aqui no Brasil, em São Paulo, tomamos a decisão de reabrir o escritório com todo o cuidado em definir uma série de critérios e restrições para aqueles que desejassem voltar. E isso tudo foi baseado em uma pesquisa que fora enviada para todos os colaboradores aqui. O objetivo era saber quem gostaria de voltar ao trabalho no escritório assim que fosse possível e quem preferiria continuar de casa até o fim de dezembro. Desse levantamento, 49% disseram que queriam voltar ao escritório e 51% desejaram continuar em home office.

Para aqueles que queriam voltar, foi perguntado com qual frequência: se mais de três vezes por semana; três vezes por semana; duas vezes por semana; ou uma vez por semana. A partir dessas respostas, fizemos um
mapeamento da primeira fase de retorno, que aconteceu no dia 20 de julho. Entrei em contato com aqueles que desejavam voltar três ou mais vezes por semana para verificar se essa intenção ainda valia. A maioria
disse que sim, mas alguns disseram que já tinham se acostumado com o home office e outros comentaram que, como as escolas ainda estavam fechadas, consideravam melhor continuar de casa para ficar com as
crianças. No fim, reabrimos as portas para um total de 27 colaboradores, que vão ao escritório em dias alternados, sendo que a grande concentração se dá entre terça e quinta-feira.

Melhor – E quais foram as medidas adotadas?

Monaco – Ao entrar no condomínio, todos têm a temperatura aferida. E ao entrar no escritório, novamente. Todos os colaboradores têm de, obrigatoriamente, usar máscaras sempre que estiverem fora das mesas de trabalho – e todas as mesas foram muito bem sinalizadas com o que é permitido para o funcionário usar o computador. Ninguém mantém suas mesas definitivas, fizemos uma política de clean desk: nas mesas estão os monitores e os cabos de conexão com a rede. Isso facilita o trabalho de limpeza e higienização no fim do dia.

Assim, cada um traz o seu notebook, o seu teclado, o seu mouse. Fizemos questão de manter uma distância maior, de três metros, entre cada estação de trabalho. Os colaboradores têm de levar comida de casa ou pedir para entregarem no escritório, pois não queremos que as pessoas saiam para almoçar. Temos o controle sobre o nosso ambiente, mas não temos sobre o ambiente de um restaurante, por exemplo. Essa foi uma restrição que impusemos e da qual não abrimos mão. Os funcionários entenderam e respeitam-na. Também não são permitidas reuniões dentro da empresa.

Aliás, as salas de reunião foram fechadas, até para evitar o hábito de alguns conversarem nelas. Tínhamos duas entradas no escritório, e agora usamos apenas uma, para fazer com que toda a circulação seja em um único
sentido, para evitar pessoas indo e vindo numa mesma direção. Além disso, esses funcionários que retornaram fizeram testes de sorologia para a covid-19 e também passaram por treinamentos e receberam manuais
informativos com os detalhes de todas essas regras.

Melhor – E qual foi o feedback dos colaboradores em meio a tanta regra?

Monaco – No fim da primeira semana, nosso country manager mandou um e-mail para todos esses funcionários, pedindo isso: feedback sobre como eles se sentiram, e pediu também sugestões e até mesmo dúvidas que seriam levadas em conta para a elaboração da fase seguinte de retorno. Todos responderam e o retorno foi unânime: todos afirmaram que se sentiam mais seguros no escritório do que em casa, pois viam todos os cuidados que foram tomados. Por exemplo: a cada meia hora é feita a limpeza de todas as áreas comuns; todos ganharam um kit de boas-vindas com álcool em gel, duas máscaras laváveis e lenços umedecidos com álcool; diariamente repomos as garrafas de 1,5 litro de água nas mesas, para evitar que as pessoas tenham de ir até a copa para encher as próprias garrafinhas.

Outra medida que se refere ao almoço: ele deve ser feito na própria estação
de trabalho, para evitar que o pessoal voltasse ao antigo hábito de se reunir na mesa na copa. Algumas pessoas comentaram sobre a falta de almoçar com os colegas, juntos, mas há um entendimento de que esse cuidado é importante. Houve, também, alguns poucos questionamentos sobre colocarmos todos circulando num mesmo sentido no escritório.

Respondemos que esse era um grupo piloto e que, nas semanas seguintes, o
número de funcionários iria aumentar e essa era uma forma de manter a segurança e evitar aglomerações também. Por isso não queremos flexibilizar as regras, mesmo com apenas 27 pessoas no escritório.

Melhor – Qual foi a comunicação que adotaram?

Monaco – Como medidas e ações que tomamos desde o início da pandemia, o foco foi manter uma comunicação clara, transparente e assídua com todos os colaboradores. Semanalmente, temos um vídeo com nosso CEO global e os nossos country managers no Brasil também têm esse hábito de mandar vídeos para os funcionários, falando sobre como está o negócio ou mesmo para mandar uma mensagem de que estamos cuidando de todo mundo, o desejo de que todos estejam bem. São vídeos positivos e que, de alguma forma, mantêm vivo esse contato, por mais remoto que seja, com os colaboradores. E esses vídeos mantêm todos numa mesma linguagem.

Tivemos o cuidado, também, de trabalhar comunicações específicas durante a pandemia em dois canais distintos, o do RH e o da comunicação interna. Foram newsletters semanais não apenas com instruções e orientações de programas internos que a Visa vem realizando, mas também com dicas de como lidar com essa situação criada pela pandemia, desde atividades para fazer com as crianças, até dicas de passeios virtuais em museus, passando ainda por atividades voltadas para o bem-estar, como ioga e meditação.

Temos, ainda, um programa liderado pela área de comunicação muito bacana que se chama Depois das seis, que é justamente para as pessoas relaxarem depois da jornada de trabalho. Ele conta com atividades, a cada semana, realizadas por meio de uma plataforma digital na qual um convidado fora da empresa faz alguma apresentação. Já tivemos aula de culinária, uma mestre cervejeira, sommelier… são atividades totalmente fora da rotina do trabalho. E convidamos os colaboradores a chamarem seus familiares a participarem também. Além disso, também foram organizados webinars com psiquiatras e psicólogos justamente para ajudar nossos colaboradores a lidarem melhor com o fato de terem de ficar em distanciamento social, em casa, às vezes sozinhos. Foram bate-papos, nos quais os funcionários se sentiram à vontade para expressar suas preocupações. E o nosso presidente também agendava cafés da manhã, toda sexta-feira, para conversar com um grupo de dez a 15 funcionários para falar sobre assuntos que não eram ligados ao trabalho, ao negócio.

Melhor – Quer dizer, houve um esforço em levar para casa, também, aquele clima de informalidade e de conversa de café, não?

Monaco – Foi isso mesmo. O brasileiro tem o hábito de trocar muita informação, de ter contato com os colegas. Aqueles cinco minutos no café, pela manhã, e aqueles outros cinco, à tarde, quando o pessoal vai para a copa e cria aquela rodinha de conversa sobre vários assuntos. Tivemos a preocupação em manter isso, até para as pessoas não perderem o contato com os colegas, pois esse vínculo é muito importante.

Outra coisa que estimulamos, embora tenha surgido de forma natural entre as áreas, são os happy hours virtuais que as equipes agendavam. Isso começou com uma área e logo depois quase todas estavam organizando os seus. E cada uma delas inventava uma brincadeira ou alguma atividade para descontrair e para deixar claro que o encontro era para desestressar e não para falar de trabalho. Elas foram criativas a ponto de trazer essa informalidade e quebrar o gelo: a rotina do home office foi e tem sido intensa, porque muito acabam trabalhando mais horas, a concentração é diferente…

Melhor – Como foi a produtividade no home office? As pessoas trabalharam mais horas ou aproveitaram melhor as mesmas horas que passariam no escritório?

Monaco – As duas coisas. Algumas pessoas disseram que nitidamente acabaram tendo mas foco para o trabalho em casa, porque tinham menos interrupções – principalmente aquelas pessoas que não têm filhos pequenos ou que moram sozinhas. A produtividade, sem dúvida
nenhuma, se não foi mantida no mesmo nível, foi até maior do que a do dia a dia do escritório. Além da pesquisa que fizemos no Brasil, antes do retorno, tivemos outra, desta vez global, com perguntas nesse sentido.
Foram preocupações e questionamentos que tivemos com todos os colaboradores e que nos ajudaram a criar as atividades “extra core” para eles, justamente para flexibilizar ou quebrar essa rotina que, de fato, pode
ser bem puxada.

Melhor – Como foi trabalhar a cultura, os valores da empresa nesse período de home office?

Monaco – A comunicação foi recorrente. Se teve uma coisa que não titubeamos em dedicar tempo, atenção e trabalho foi essa comunicação clara, concisa e recorrente. Justamente para assegurar que todos estivessem “na mesma página”, e que não iríamos perder nenhum de nossos valores e princípios. Os gestores, como mantêm um contato mais direto com as equipes, receberam algumas recomendações para fazerem uma espécie de check point durante as reuniões virtuais e recorrentes. Eles foram estimulados a terem essa preocupação em manter todos alinhados, e até para tentarem fazer uma “leitura corporal” ou visual dos colaboradores durante os encontros.

Melhor – Quais lições a pandemia traz para as empresas e para o RH?

Monaco – A lição de nós mudarmos, positivamente. Essa percepção de que o mundo digital não é um bicho de sete cabeças, todo mundo consegue aprender ou reaprender a viver nesse novo mundo. De certa forma, as pessoas estão mantendo a distância, mas o contato, a troca está sendo mantida, apenas de uma nova forma. Não estamos perdendo a essência, não estamos deixando de estar com os colegas, com os amigos. Reaprendemos a fazer isso, de uma forma diferente.

Melhor – E como isso impacta o RH? Quais as vantagens que essa nova forma de nos relacionarmos traz? Podemos pensar em uma gestão de pessoas customizada? Uma melhor experiência do empregado?

Monaco – Acredito que o engajamento acaba sendo ainda maior nesse novo mundo, vamos chamar assim. Porque, quer queiramos ou não, aprendemos que essa flexibilização funciona. Ou seja, da noite para o dia, 100% dos nossos colaboradores tiveram de trabalhar de casa, quando só tinham essa experiência uma vez por semana. “E o medo da entrega?” “Será que as pessoas vão se dedicar da mesma forma?” Eram dúvidas. E provou-se que mesmo distantes nada mudou. Muitas pessoas que levavam duas horas para ir ao trabalho e, depois, voltar para casa, agora estão mais satisfeitas porque podem acordar um pouquinho mais tarde ou tomar um café da manhã com mais calma com a família. Outras, aproveitam para fazer uma atividade física antes de ligar o computador. Ou seja, as pessoas estão aproveitando o tempo de uma forma muito mais assertiva e produtiva. Isso contribui para que o engajamento seja na mesma proporção.

O colaborador percebe que a empresa está reconhecendo o valor dele e o compromisso dele se mantém e ele tende a ser mais feliz. E automaticamente vai render mais, vai ter uma entrega melhor. A qualidade até melhora com isso. Ficou comprovado para as empresas que os negócios
conseguem se manter com o mesmo padrão porque o engajamento passa a ser maior. A questão, nesse caso, também passa pela liderança, que tem um papel fundamental.

Melhor – Os líderes também têm de se adaptar para não reproduzirem ações de comando e controle no ambiente virtual, não?

Monaco – A liderança tem, sim, um papel fundamental nesse novo modelo. O líder tem de estar muito atento, tem de estar ainda muito mais próximo do colaborador. Estando distante, às vezes, corre-se o risco de perder o momento do funcionário.

Melhor – E o que isso quer dizer?

Monaco – Ver se a pessoa está bem é verificar o bem-estar dela, se ela está lidando bem com esses novos desafios e mudanças. Uma coisa que frisamos muito para os nossos líderes é estarem atentos, durante as reuniões virtuais, aos comportamentos e até linguagem corporal dos colaboradores. Se o líder perceber que um funcionário está um pouco distante, aconselhamos a conversar depois com ele, separadamente, para ver o que está acontecendo. O gestor precisa estar com o olhar mais atento.

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail


Gumae Carvalho

Gumae Carvalho é editor de MELHOR – Gestão de Pessoas, revista oficial da ABRH Brasil. Jornalista especializado em comunicação organizacional, Gumae é autor de "Comunicação interna (em) revista" (editora Qualitymark).