Gestão

O que é uma empresa humanizada?

de Raj Sisodia, David Wolfe e Jag Sheth em 27 de agosto de 2015

Considere as palavras carinho, amor, alegria, autenticidade, empatia, compaixão, emotividade, e outros termos de afeto. Até recentemente, tais palavras não tinham lugar no mundo dos negócios. Isso está mudando. Hoje, um número crescente de empresas confortavelmente adota esses termos. É por isso que cunhamos a expressão firms of endearment, ou Empresas Humanizadas. De maneira simples, Empresa Humanizada é uma empresa que se torna amada pelos stakeholders ao trazer os interesses de todos os grupos de stakeholders para alinhamento estratégico. Nenhum grupo se beneficia em detrimento de qualquer outro, e cada um prospera como os outros prosperam. Estas empresas atendem às necessidades funcionais e psicológicas de seus stakeholders de maneira que os encantam e estes produzem afeto e lealdade à empresa.

Durante os anos 1990, a expressão share of wallet (fatia da carteira) se popularizou entre os profissionais de marketing, tornando-se o foco principal da abordagem chamada gestão de relacionamento com o cliente (Customer Relationship Management – CRM). No entanto, o termo denotava uma visão emocionalmente árida, largamente impessoal e quantitativa dos clientes. Para a esmagadora maioria das empresas, CRM era mais uma maneira de mirar melhor e explorar mais profundamente os clientes através do gerenciamento de dados do que atender as suas necessidades de maneira empática. Em vez de gerenciamento de relacionamento com o cliente, teria sido mais correto chamá-lo de gerenciamento de dados do cliente.

As Empresas Humanizadas acreditaram em uma ideia diferente; elas batalham por share of heart (fatia do amor). Ganhe um lugar no coração do cliente e ele terá prazer em oferecer-lhe uma fatia maior de sua carteira (share of wallet). Faça o mesmo para um empregado e ele devolverá com um salto quântico em produtividade e trabalho. Conecte-se emocionalmente com seus fornecedores e colha os benefícios de ofertas superiores e agilidade. Dê às comunidades nas quais opera razões para que sintam orgulho da sua presença e desfrute de uma fonte fértil de clientes e funcionários. (É claro, a expressão share of heart sugere que existe uma quantidade fixa de amor e carinho para ser dividida entre os requerentes. Na realidade, não existe tal limite, como sugere a expressão “O amor não é uma pizza”.)

E o que dizer de acionistas? Com exceção, talvez, dos operadores de day trade e outros especuladores de curto prazo, a maioria dos acionistas provavelmente gosta de se sentir bem em relação às empresas nas quais investe. Eles querem boa rentabilidade, mas também têm prazer em investir em empresas que realmente admiram. A maioria não quer apoiar empresas moralmente questionáveis.

Não menos importantes, investidores institucionais como os fundos de doações de universidades e fundos de pensão têm se tornado cada vez mais conscientes do caráter moral das empresas em que investem; testemunhe a tendência de rápido crescimento na direção de investimentos sustentáveis, responsáveis e de impacto.

Infelizmente, a esmagadora maioria das empresas hoje não pode ser descrita como empresas humanizadas. Muitas desfrutaram do sucesso no passado, mas encontram-se cada vez mais vulneráveis e criticadas por todos os lados. Essas empresas estão sob pressão crescente hoje, enquanto suas concorrentes Empresas Humanizadas permanecem resolutas com todos os seus grupos de stakeholders e se destacam nos mercados de capitais. A mensagem é clara e simples: desde que haja uma boa gestão (nenhuma quantidade de correção moral pode salvar uma empresa mal gerida), empresas amadas tendem a ser empresas duradouras.

Empresas Humanizadas compartilham um conjunto distinto de valores centrais, políticas e atributos operacionais. Aqui está uma amostra:

> Elas subscrevem um propósito de existência que é diferente de e vai além de ganhar dinheiro.

> Elas alinham ativamente os interesses de todos os grupos de stakeholders, não apenas os contrapõem (trade-off ). Em vez de optar pelos interesses de um grupo em detrimento de outro (por exemplo, maiores salários para os empregados versus maiores lucros para os investidores ou preços mais baixos para os clientes), elas criam modelos de negócios em que os objetivos de cada stakeholder podem ser atendidos simultaneamente e, de fato, são reforçados por outros stakeholders. A chave para esse “arranjo harmonioso” é que as atividades das Empresas Humanizadas são executadas dentro de um sistema que permite o alinhamento ativo dos interesses de stakeholders. O Whole Foods Market, por exemplo, captura esta ideia formalmente em sua “Declaração de Interdependência”, que reconhece a ideia de que grupos de stakeholders constituem uma família cujos membros dependem um do outro.

As empresas humanizadas veem os seus fornecedores como verdadeiros parceiros

>Os salários dos executivos são relativamente modestos. Em um ano típico, o salário do cofundador e ex-CEO da Costco Jim Senegal foi de US$ 350 mil, mais um bônus de US$ 200 mil. Por outro lado, o CEO médio de uma empresa de capital aberto comparável recebeu US$ 14,2 milhões de remuneração total em 2012.

> Elas operam no nível executivo com uma política de portas abertas. Por exemplo, quando a Honda tem um grande problema, ela implementa o waigaya – suspensão temporária de protocolos sociais baseados na hierarquia, tornando possível que trabalhadores dos degraus mais baixos apresentem pessoalmente uma proposta de solução para os mais altos executivos envolvidos. A Harley-Davidson tem uma política semelhante, mas menos cerimonial: qualquer empregado, em qualquer dia, tem acesso aos mais altos executivos da empresa.

> A remuneração de empregados e benefícios são significativamente maiores do que o padrão para a categoria da empresa. Por exemplo, os salários e benefícios do Trader Joe’s no primeiro ano para os funcionários de tempo integral são o dobro da média dos EUA para os empregados do varejo.

> Elas dedicam muito mais tempo do que os seus concorrentes ao treinamento de empregados. Por exemplo, no primeiro ano, os empregados da The Container Store recebem uma média de 263 horas de treinamento contra a média de oito horas da indústria do varejo.

> A rotatividade de empregados é muito inferior à média da indústria. Por exemplo, a rotatividade na Southwest Airlines é metade da de outras grandes companhias aéreas.

> Elas empoderam os empregados para garantir que os clientes saiam de todas as interações plenamente satisfeitos. Por exemplo, um empregado da Wegmans Food Markets certa vez mandou um chef para a casa de um cliente para solucionar o engano desse cliente e preparar a refeição do Dia de Ação de Graças. (Sim, a Wegmans emprega chefs, alguns deles de restaurantes cinco estrelas.)

> Elas fazem um esforço consciente para contratar pessoas que são apaixonadas pela empresa e seus produtos. Por exemplo, Patagonia tenta apenas contratar pessoas apaixonadas pela natureza. Whole Foods Market tenta atrair tantos empregados quanto possível das fileiras dos “foodies” (aficionados por comida e bebida).

> Elas conscientemente humanizam a experiência da empresa para clientes e empregados, além de criar um ambiente de trabalho acolhedor. Por exemplo, o Google fornece refeições gourmet gratuitas a qualquer hora para todos os empregados.

> Elas projetam uma paixão genuína pelos clientes, e conectam-se emocionalmente com eles em um nível profundo. Ao ganhar uma fatia maior do coração dos clientes, ganham uma fatia maior de suas carteiras. Nordstrom, por exemplo, é lendária por seu compromisso com extraordinário serviço ao cliente.

> Seus custos de marketing são muito mais baixos do que os de seus pares da indústria, enquanto satisfação e retenção de clientes são muito mais elevadas. Por exemplo, Jordan’s Furniture gasta menos de um terço dos padrões da indústria em marketing e publicidade, enquanto gera as maiores vendas do setor por metro quadrado, que são mais de cinco vezes o padrão da indústria. Google construiu uma das marcas mais   valiosas  do  mundo   sem  qualquer publicidade.

> Elas veem os seus fornecedores como verdadeiros parceiros e colaboram com eles para fazer com que todos progridam. Elas ajudam os fornecedores a alcançarem níveis mais elevados de produtividade, qualidade e rentabilidade. Fornecedores, por sua vez, funcionam como verdadeiros parceiros, não como serviçais subalternos e aborrecidos. Por exemplo, dizem que a Honda “casa com os fornecedores para a vida toda”. Uma vez que um fornecedor tenha sido admitido na família Honda de fornecedores, a empresa faz tudo o que pode para ajudá-lo a melhorar a qualidade e se tornar mais rentável.

> Elas honram o espírito das leis, em vez de simplesmente seguir a letra da lei. Elas aplicam padrões operacionais consistentemente altos em todo o mundo, independentemente de requisitos locais, que podem ser consideravelmente menos rigorosos. Por exemplo, a política da Ikea é que se leis mais rigorosas em matéria de produtos químicos e outras substâncias são impostas em um país onde ela faz negócios, todos os fornecedores de todos os países devem estar em conformidade com essas leis.

> Elas consideram que a sua cultura corporativa é o seu maior patrimônio e principal fonte de vantagem competitiva. Por exemplo, a Southwest Airlines elegeu um “Comitê de cultura”, encarregado de sustentar e fortalecer a cultura única da empresa.

> Suas culturas são resistentes a pressões acidentais, de curto prazo, mas também se provam capazes de adaptação rápida quando necessário. Como resultado, elas normalmente são as inovadoras e quebradoras das convenções dentro de suas indústrias. Stonyfield Yogurt evita a publicidade tradicional, por exemplo, contando apenas com campanhas criativas de mídia social.

O estilo das empresas humanizadas

Empresas Humanizadas têm uma ampla visão de mundo. Em vez de ver o mundo em termos constritivos, estreitos, elas veem suas infinitas possibilidades positivas. Elas acreditam profundamente na possibilidade de uma maré alta que levanta todos os barcos. Diante de uma ameaça competitiva, elas não procuram reduzir preços, custos e empregados, mas agregar maior valor.

Meio cheio: as empresas humanizadas veem suas infinitas possibilidades positivas

Empresas Humanizadas são banhadas no fulgor da sabedoria perene. Sua “suavidade” em um mundo difícil não vem porque elas são fracas ou lhes falta coragem, mas a partir de autoconhecimento, maturidade psicológica e magnanimidade da alma de seus líderes. Estas empresas são vigorosas e determinadas na defesa de seus princípios. Líderes de Empresas Humanizadas têm a coragem de defender e agir de forma decisiva em suas convicções: Jeff Bezos na Amazon, Jim Sinegal na Costco, Jim Goodnight no SAS Institute, Sergey Brin e Larry Page no Google, Barry e Eliot Tatelman em Jordan’s Furniture, Jim e Anne Davis na New Balance, Herb Kelleher na Southwest, Jeff Swartz na Timberland, John Mackey e Walter Robb no Whole Foods, Kip Tindell em The Container Store, Ron Shaich na Panera, Bob Chapman em Barry-Wehmiller, Danny Meyer no Union Square Hospitality Group, Yusuf Hamied na Cipla, Terri Kelly em W.L. Gore — e a lista continua. Esses líderes de Empresas Humanizadas construíram extraordinárias empresas transformadoras da indústria, apesar da censura de alguns críticos de Wall Street que, involuntariamente, encaram seu “capitalismo com uma feição humana” como uma ameaça para os interesses dos acionistas. A visão de que a vantagem competitiva pode ser adquirida através de um modelo de negócio em que todos os stakeholders agregam valor e são beneficiados pelos ganhos de valor simplesmente vai contra a visão de muitos analistas. Tais críticos são fundamentalmente míopes; eles tendem a ver quaisquer stakeholders que não os acionistas como sumidouros de valor, em vez de um conjunto mais amplo e profundo de recursos que podem ser alavancados para criar ainda mais valor do que uma empresa poderia criar quando os trata meramente como um meio para o fim supremo de maximizar os retornos dos acionistas.

Para estarem mais bem preparados para fazer negócios no século 21, os executivos, especialmente aqueles de empresas que são líderes em suas categorias, fariam bem em se fazer o questionamento existencial definitivo: “Por que estamos aqui?”. Eles deveriam ponderar tais proposições não tradicionais (no negócio) como “Não estamos aqui apenas para enriquecer os investidores; não temos nenhuma licença culturalmente legitimada para corromper mentes, corpos e o meio ambiente; não podemos justificar sob a rubrica de ações do capitalismo que são destinadas a tentar, seduzir e enganar os clientes a fazerem o que pode prejudicá-los; não temos o direito, sob nenhum credo legítimo, de desumanizar os empregados ou espremer a vida financeira de fornecedores com exigências descabidas”.

A remuneração é significativamente maior do que o padrão para a categoria da empresa

Como fazem os líderes das Empresas Humanizadas, empresas de todo tipo e tamanho deveriam, conscientemente, moldar suas culturas em torno da ideia de que estamos aqui para ajudar os outros a viverem suas vidas com maior satisfação, para espalhar alegria e bem-estar, para elevar e educar, e para ajudar empregados e clientes a realizarem seu potencial natural. Como líderes em empresas – e outras instituições de propósito público – é demais aceitar como seu mandato a obrigação de ouvir e ver, abrir olhos e mentes, ajudar pessoas a focarem o que é mais importante? Esses sentimentos estão capturados em nossas próprias palavras, mas eles são os sentimentos da liderança em todos os negócios verdadeiramente grandiosos.

Se as Empresas Humanizadas podem ser descritas por alguma característica, essa é que elas possuem uma alma humanística. É das profundezas dessa alma que sua determinação de prestar serviço incomum para todos os stakeholders flui. Essas empresas estão imbuídas com a alegria de servir – a comunidade, a sociedade, o meio ambiente, os clientes, os colegas. Os líderes dessas grandes empresas, como nós definimos “grandeza”, intuitivamente reconhecem a necessidade inerente que a maioria das pessoas acima do nível de subsistência tem de servir os outros. Essas empresas – seus líderes, suas pessoas – têm a coragem de contrariar tradições consagradas na teoria capitalista. Elas estão tendo sucesso, realmente prosperando, contra todas as probabilidades, em face de regulamentações frequentemente malconcebidas e onerosas, e concorrentes inescrupulosos. Elas estão se agarrando à sua humanidade em face de pressões esmagadoras de curto prazo. Devemos celebrar o seu sucesso, e espalhar a sua mensagem de afeto a seus semelhantes e seu otimismo sem fim por todos os cantos.


Trecho extraído do livro inédito Empresas Humanizadas (Firms of Endearment 2.0) – Pessoas, propósito e performance, recém-lançado pelo Instituto Capitalismo Consciente Brasil, de Raj Sisodia, David Wolfe e Jag Sheth

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