Carreira

Olhar ampliado

Do alto escalão do RH no Grupo Volkswagen, o executivo brasileiro Marcellus Puig imprime sua visão estratégica sobre o novo cenário da gestão de pessoas no setor automobilístico, agora como CEO da empresa na Argentina

de Jussara Goyano em 20 de abril de 2023
Divulgação Volkswagen


De todas as cenas industriais, a do segmento automobilístico talvez seja a mais emblemática no que diz respeito às transformações pelas quais o setor fabril vem passando há mais de uma década. Não bastasse a automação crescente na fabricação de automóveis, houve uma mudança no perfil do consumidor, com a crise ambiental, obrigando a uma rápida evolução dos veículos para comportar novas matrizes energéticas. O público interno das companhias também tem suas próprias demandas.


São necessárias novas tecnologias, design e soluções para atender o mercado. Da mesma forma que são necessários novos perfis profissionais, com requalificações e contratações, reestruturação das plantas fabris, novas forças de marketing e vendas e uma mudança de mindset na gestão de pessoas para acolher a todas as transformações, incluindo os novos modelos de trabalho. O executivo brasileiro Marcellus Puig vem acompanhando tudo de perto, desde seu ingresso no Grupo Volkswagen, em 1998. 


Bacharel em administração de empresas (PUC-SP) e passando por várias funções em recursos humanos na companhia, Puig chegou a vice-presidente de RH do Grupo Volkswagen Argentina em 2013 e, em seguida, da Volkswagen do Brasil e Região SAM, em 2017. Anos depois tornou-se responsável mundial pelo RH do grupo alemão, deixando o posto para encarar, em agosto passado, o desafio de se tornar o CEO da unidade hermana, respondendo à Volkswagen América Latina.

Em exclusividade à Melhor RH, Puig conta sua experiência, que envolve um olhar ampliado sobre o papel estratégico do RH diante das transições. Um pouco do risco do RH é você se perder nos seus próprios objetivos de pessoas e esquecer que você é parte de uma engrenagem para, no final do dia, trazer resultado”, destaca o executivo, em entrevista a seguir.

Passar de RH a CEO oferece um outro grau de compreensão da empresa em que você trabalha.  Gostaríamos que contasse um pouco da sua experiência nesse sentido. Que visões tem da empresa e de gestão de gente desses dois patamares executivos na sua carreira?

Já foram bons vinte e quatro anos em recursos humanos, e já atuei em diversas funções na Volks, tanto no Brasil, como na casa matriz, e também na Argentina. Desde o ano passado estou na Argentina. A Volkswagen passa por uma transformação muito grande, uma transformação do seu negócio.   

Há uma certa utilização de pessoas nas linhas de produção, mas isso vai mudando nos últimos anos. Eu vivi isso como recursos humanos, questões como que perfis de colaboradores encontrar, que soluções, como requalificar para esse cenário, o que fazer com o efetivo atual. Então, tudo isso que já estava na minha agenda, como RH, agora está mais ainda, como o CEO.

Certo.  E o olhar sobre gente é diferente? Quer dizer, mais estratégico, desse patamar onde você está? 

Qualquer pessoa que chegasse a este cargo, tendo a experiência em nível nacional e passando pelo internacional, teria uma visão diferente. Acho que a resposta, entre sim ou não, é sim. Acho que há um consenso, hoje, de que qualquer CEO, presidente ou qualquer título que você tenha como número um, tem como destaque o assunto pessoas. Os temas pessoas, equipe de trabalho, liderança, transformação cultural, diversidade vão estar fortemente na agenda de qualquer número um. E não porque isso é bonito, moderninho, etc. Mas porque é possível fazer a diferença. É óbvio, isso também está no meu DNA, no meu sangue. Até por vício, eu acabo dando uma atenção especial a esses assuntos. Cuidar de gente virou vício, realmente. 

Quais são os principais desafios hoje na Volkswagen, na América Latina e em especial na Argentina, em se tratando de gestão de gente?


Eu mencionei que a gente está num processo de transformação. Se eu pego o Brasil, o Chile, o Uruguai, já há mais claramente definida uma estratégia ou normas de emissão de CO2, por exemplo. Argentina e outros países acabarão indo para o mesmo caminho. América do Sul, América Latina toda, a gente está nessa fase de transformação, seja pelo biodiesel, biocombustível, com híbridos… isso afeta, obviamente, as pessoas, a qualidade que a gente precisa nelas. Na América do Sul, a gente tem uma autonomia muito grande. Houve um tempo em que era preciso aprovar cada produto, era muito centralizado. Hoje, a gente faz produtos na América do Sul para a América do Sul. Nossos carros sempre foram espetaculares, mas muitas vezes eram espetaculares para a cabeça europeia, e hoje o são para cidades como Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro, Santiago. Isso mudou muito. A gente tem um centro de design, um centro de engenharia… tudo na América Latina, que é muito importante. Competidores também foram para um caminho similar. Hoje eu compito para trazer pessoas de toda a minha área, de digitalização, não só relacionada à fabricação do veículo. Eu estou competindo em como atrair e reter as pessoas.


E com o agravante de lidar com uma nova geração de profissionais…


Eu sou de uma geração que passava vinte, trinta anos numa empresa. Isso acabou, isso não é mau, é um fato, objetivo. Então é importante a gente entender isso — claro que eu não quero trazer uma pessoa e depois de seis meses desligá-la, mas entender essa nova geração, que tem a sua fase de maturação. Se a pessoa por formação, por cabeça, vai buscar uma outra atividade, tudo bem, não? Desde que ela gere valor e acredite que ganhou valor para ela e que essa troca foi boa. A gente vive isso também na América do Sul, nas plantas que eu conheço, no Brasil. Essa competição —principalmente na área de tecnologia —, para trazer gente, já era uma realidade na Volkswagen, já vinha acontecendo.

Quais os fatores ligados essa competição?

Eu volto para o começo da nossa história, como fábrica — todos os nossos sistemas de remuneração, benefício, retenção, foram pensados para uma fábrica, em que era preciso ter dois terços do meu efetivo às seis horas da manhã na linha de produção. Hoje se exige que as empresas sejam muito mais flexíveis com seus programas de desenvolvimento e reconhecimento, de remuneração, de bônus, de benefícios, discutir o tema com os representantes dos trabalhadores, enfrentar a questão legal. E aí estava o desafio, não? Como fazer diferente dentro do ambiente, que vai mudando na sua velocidade, também.

Para voltar a trabalhar especificamente com recursos humanos, o que você acha que essa experiência te agrega?


Um pouco do risco do RH é você se perder nos seus próprios objetivos de pessoas e esquecer que você é parte de uma engrenagem para, no final do dia, trazer resultado. A gente quer fazer inovação, quer lançar produto, quer atender cliente, quer ganhar dinheiro.  Voltando para o RH eu vou ter isso (de entender-se parte da engrenagem) ainda mais forte. 

Você acha que na posição em que está hoje é possível, por exemplo, deixar um legado para que o RH passe a ser cada vez mais estratégico para a empresa? 


Olha, eu repito um pouco, aqui, a minha última resposta, eu acho que, para o RH conseguir este legado, ele tem que abdicar dos seus objetivos, do seu próprio umbigo. Acho que esse é o ponto, não? A gente acaba se perdendo um pouco, é preciso parar um pouco de se ocupar consigo mesmo e entender que está realmente atuando em um negócio. Eu vejo muitos reclamando da falta de conexão com o financeiro, com outros níveis de liderança, enfim, dessa dificuldade de amarrar as coisas para ser realmente um parte estratégica do negócio. Eu vejo essa dificuldade. Eu não posso esquecer meus vinte e quatro anos de carreira, certo? Então, óbvio que a sensibilidade que eu tenho nessa posição para temas de pessoas, temas de gestão, temas de liderança é muito maior do que na pessoa que tem vinte e quatro anos de linha de produção — que também sabe a importância de pessoas, mas no meu caso está no DNA, nos meus vinte e quatro anos de RH. Veja, a Volkswagen não sei se é mais ou menos hierárquica do que qualquer outra empresa, mas claro, a gente vive num ambiente em que de certa forma irá ensinar isso: quando o chefe dá um sinal, normalmente, a tendência nos outros líderes é reproduzir esses sinais. O CEO dando esse sinal acaba gerando uma onda positiva.

Dentre todos os temas e dinâmicas da gestão de pessoas, o que você consegue enxergar com maior clareza de cima? 


Não quero ser ambíguo, mas darei uma resposta entre o melhor e o pior da minha posição. Melhor, sim, porque você está no fim da linha de todos os problemas, os temas, soluções. Propostas acabam chegando a mim, com uma visão maior do todo. O que ajuda — e às vezes me irrita (risos)  e me motiva a detalhar temas e recursos humanos que foram melhores ou piores tratados. Mas também tem a miopia da posição, tem os filtros naturais de qualquer organização.


Qual mensagem você deixaria a um executivo de RH que queira fazer uma trajetória parecida com a sua e chegar a um cargo de liderança máxima em uma empresa?

O principal é entender absolutamente o negócio da sua organização. Eu não estaria aqui se eu não entendesse profundamente o negócio. Profundamente, eu digo, é que apesar de eu não ter uma formação técnica, eu fui exposto à Engenharia. Eu expandi o meu network. Ele sempre foi muito maior do que o de recursos humanos. Outra coisa é não ficar ocupado consigo mesmo (tem uma expressão em alemão para isso). E lembrar que desta posição onde você está, também é possível fazer muitos, muitos recursos humanos. E eu tive muita sorte — meus últimos presidentes não eram de RH, eram ora do financeiro, ora de vendas, ora de engenharia, ora de produção — todos eles com uma pegada muito forte nos temas de pessoas, gestão, liderança… Não precisava convencer meus chefes de como é importante cuidar de gente, ter gente na pauta. Mas claro, comigo aqui fica mais fácil (risos).

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