Em um mundo dividido entre cringes e nutellas, garantir a convivência entre as gerações X, Y (os famosos Millennials) e Z já é um desafio e tanto. Agora, imagine alinhar valores, comportamentos e expectativas variados em um ambiente tão dinâmico e exigente como o corporativo. A dificuldade cresce à medida que as diferenças de idade aumentam. Porém, por mais complexa que seja, a diversidade geracional é extremamente valiosa às organizações, representando um fator importante de inovação por meio da atuação precisa do RH. E não há como fugir dessa missão: sem uma gestão de pessoas verdadeiramente inclusiva, as divergências entre as gerações podem se transformar em diferenças irreconciliáveis.
Embora a diversidade, incluindo a geracional, seja uma das pautas mais valorizadas nas empresas atualmente, políticas de recrutamento direcionadas a jovens e colaboradores acima de 50 anos tornam-se insuficientes se não forem acompanhadas por práticas genuínas de inclusão. O desafio realmente começa quando a seleção termina.
Etarismo não tem vez
Para que a diversidade se traduza em benefícios reais, é fundamental que o ambiente corporativo seja receptivo a todas as idades, como bem aponta Sandra Vicari, vice-presidente de Gestão de Gente e Sustentabilidade do Assaí Atacadista. Apesar de todo o entusiasmo em relação ao tema, ainda há muitos vieses a serem combatidos no mercado de trabalho, como o etarismo, que continua a dificultar a recolocação profissional de pessoas com mais de 50 anos.
Na contramão disso, a empresa conta hoje com mais de seis mil colaboradores maduros e um banco de talentos dedicado a essa faixa etária, com oportunidades em lojas, centros de distribuição e escritórios. Não por acaso, a multiplicidade geracional é uma das cinco frentes em que o Assaí atua dentro de seu Programa de Diversidade. Criado em 2022, o 50+ foi idealizado para alavancar a contratação de profissionais seniores pela rede atacadista, o que deu muito certo. A empresa não só recebeu a certificação Age-Friendly por suas práticas de inclusão em 2023, como também conquistou neste ano o reconhecimento da GPTW (Great Place To Work) como uma das Melhores Empresas para esses profissionais trabalharem.
Representatividade
Ao abraçar a diversidade geracional, o RH abre caminho para a construção de um ambiente de trabalho muito mais inclusivo, onde a inovação é o norte. Para Sandra, isso é uma questão de representatividade, ou seja, o público interno deve necessariamente refletir a sociedade na qual está inserido. “São pessoas com características que têm muito a somar para o dia a dia do negócio, como experiência de mercado e agilidade na solução de desafios”, analisa a vice-presidente de Gestão de Gente.
Também entram na equação qualidades comportamentais muito atrativas como resiliência, comprometimento e vontade de se desenvolver na empresa. “A troca entre diferentes gerações pode ser muito rica e temos observado que eles [os seniores] tendem a ter boas experiências para compartilhar com colegas”, ressalta.
Geração Z e o “X” da questão
Do outro lado da mesa estão os “zoomers”, jovens nascidos entre os anos de 1995 e 2010 que não se satisfazem com as regras do jogo corporativo. Eles não querem apenas um emprego, mas uma missão com propósito claro e um impacto social tangível. Diante de expectativas tão distintas, não dá para ignorar o quão desafiador pode ser a convivência com colaboradores maduros.
Muitas vezes, profissionais mais experientes têm métodos e valores próprios, estabelecidos ao longo da carreira. Em contrapartida, os mais jovens tendem a questionar normas e hierarquias, buscando inovação, flexibilidade e maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. É assim que Daniele Conrado, diretora de Pessoas e Organização da Naturgy, líder de distribuição de gás natural na América Latina, descreve a geração Z. “Por isso, o RH deve investir em tecnologia, fornecer ambientes digitais intuitivos, comunicar claramente missão e valores, promover desenvolvimento contínuo e estabelecer sistemas de feedback constante”, enumera.
Choque geracional
Em um cenário de diversidade geracional, é fácil ocorrer um choque cultural, dividindo os times, a menos que o RH adote uma abordagem proativa (e voltada à inovação) para integrar essas diversas perspectivas. Daniele Conrado afirma que é papel do RH mediar conflitos geracionais, promovendo inclusão, respeito e a valorização de todos. “O RH pode oferecer treinamentos em diversidade e inclusão, programas de mentoria bidirecional, potencializar a liderança humanizada e implementar políticas claras de conduta e mediação para criar um ambiente onde as diversas perspectivas sejam respeitadas e integradas de forma construtiva.”
Essas iniciativas não só suavizam as tensões, mas também contribuem para a construção de um ambiente mais dinâmico e inovador. É o que também defende a diretora de RH da Nauterra, Rochelli Kaminski. “O RH facilita o diálogo aberto entre diferentes gerações, mediando conversas e educando os colaboradores sobre as diferenças geracionais e como elas podem enriquecer a carreira e a estratégia de trabalho,” afirma. Em termos de diversidade geracional e inovação, o papel do RH é crucial, pois cabe à área “especialista em pessoas” a importante missão de reforçar as políticas internas e promover uma cultura genuinamente inclusiva.
Entretanto, embora cada geração apresente desafios únicos às organizações e ao RH, o maior deles é garantir que as lideranças estejam preparadas para lidar com a diversidade geracional – compreendendo, inclusive, o valor disso para a inovação. Quem faz esse alerta é Sandra Vicari, do Assaí Atacadista. “Incentivamos cada líder a compreender a diversidade de sua equipe para transformar as diferenças em oportunidades de interação, aprendizado mútuo e contribuição para resultados que atendam tanto as expectativas dos clientes quanto as necessidades do negócio”, aponta. Nesse sentido, lideranças eficazes são aquelas que conseguem equilibrar essas dinâmicas complexas, garantindo a coesão da equipe.
A diversidade é a base
Todavia, a inclusão do público 50+ e de jovens em busca do primeiro emprego só se torna realidade quando a diversidade já está integrada à estratégia de gestão de pessoas. Somente uma abordagem consistente, que contemple questões como seleção, educação corporativa e desenvolvimento organizacional, pode fazer com que as engrenagens girem na direção da multiplicidade de gerações.
O Grupo Pão de Açúcar é outro bom exemplo de como o RH pode ser transformador. Por lá, também há cinco pilares prioritários relacionados à diversidade de pessoas, sendo o geracional responsável por lidar com o ingresso de aprendizes e profissionais maduros. Graças a essa política inovadora, o GPA conta com representantes de todas as gerações, desde Baby Boomers até Zoomers, enriquecendo significativamente o capital humano da empresa.
No entanto, essa diversidade demanda planejamento estratégico para lidar com as diferentes jornadas de seus colaboradores. Sem práticas e políticas concretas, o discurso se torna vazio, enfraquecendo e descreditando a voz institucional. A simples afirmação de que uma organização é diversa e inclusiva não basta se, na prática, todos são tratados de maneira uniforme. Quem faz o alerta é Camila Morales Zanchim, gerente sênior de RH do grupo. “Podemos achar que somos inclusivos, mas quem deve sentir isso são os colaboradores”, observa. E aqui o que mais ouvimos é eles podem ser quem realmente são”, observa. No GPA, o pilar de D&E tem sido o mais bem avaliado nos últimos quatro anos.
RH estratégico
Nas palavras de Camila Morales Zanchim, gerente sênior de RH do grupo, a diversidade geracional não é apenas imprescindível, mas também uma fonte crucial de inovação. “O trabalho multigeracional é o futuro, até porque estamos envelhecendo. Os casais estão tendo menos filhos, e a população com mais idade está aumentando. E isso não é achismo meu, são dados concretos. E um RH estratégico deve estar conectado a dados”, salienta a especialista.
Segundo Camila, essas informações são fundamentais para prever tendências e planejar estratégias. Por meio de pesquisas, o RH pode monitorar o comportamento das pessoas, como absenteísmo, tempo de empresa, produtividade e desenvolvimento, e assim compreender o comportamento peculiar de cada geração. “A gente, como RH e organização, tem que aprender a como tirar o melhor. O nosso planejamento estratégico precisa encontrar a melhor forma para atrair e engajar os colaboradores em todas as fases da vida”, reflete.
Transformar é preciso
Ela acrescenta que, embora o RH já tenha um olhar mais sensível sobre o tema geracional, muitas empresas ainda não estão totalmente preparadas para lidar com essa realidade. Na maioria delas, são quatro gerações convivendo ao mesmo tempo, sendo que a média de pessoas 50+ varia entre 3 e 5%. No GPA, por sua vez, esse número chega a 12,85% de um total de 40 mil colaboradores. “Muitas empresas ainda não valorizam esse público. Falam de trazer sangue novo, e isso na minha opinião é uma visão capacitista. Para mim, estão cometendo um grande erro, porque logo terão escassez de talentos”, alerta Camila Zanchim.
Um RH estratégico, como ela bem diz e defende, não pode fechar os olhos para a diversidade geracional, tampouco para a inovação, pois são realidades que não podem ser ignoradas. “Precisamos acompanhar as tendências globais e preparar a organização e nossa força de trabalho para essa transformação”, crava. Contudo, assim como outros temas culturais, a inclusão também é uma responsabilidade da liderança. “Nós, do RH, somos o motor que fornece ferramentas, traz informações e cria meios para que isso aconteça. Buscamos informações, criamos produtos e mostramos como fazer, mas é responsabilidade de toda a liderança implementar essas ações”, sublinha. Sem isso, nada sai do papel.
Diversidade geracional como vantagem competitiva
Não há dúvidas quanto à importância da diversidade geracional na gestão do capital humano: com o estímulo certo do RH, a multiplicidade de pessoas enriquece a cultura e fomenta a inovação em todos os níveis organizacionais. Daniele Conrado, da Naturgy, é enfática ao afirmar que a interação entre diferentes gerações não só estimula a troca de conhecimentos e habilidades, como também fortalece a capacidade da empresa de se adaptar rapidamente às mudanças do mercado.
Segundo a especialista, a diversidade geracional pode se tornar uma clara vantagem competitiva, desde que o RH adote uma gestão inclusiva (com a inovação à tira colo). Uma força de trabalho multigeracional abre espaço para decisões baseadas em diversas perspectivas, resultando em soluções mais criativas e assertivas. “Cada geração traz experiências únicas e complementares que enriquecem o ambiente de trabalho com criatividade e inovação,” complementa.
Camila Zanchim complementa a reflexão, citando que a combinação entre diferentes habilidades e conhecimentos proporciona às organizações uma experiência única e igualmente valiosa. Ela aponta que essas diferentes maneiras de encarar o trabalho e compartilhar ideias fomentam a inovação. “Temos a oportunidade de mentoria, de aprender com diferentes gerações, e de transferir e reter conhecimento”, aponta a porta-voz do GPA.
Experiência em jogos
Assim como ela, a diretora de RH da Nauterra, Rochelli Kaminski, acredita que equipes diversificadas são naturalmente mais propensas a gerar inovações significativas. Mas, para isso, ela considera fundamental fomentar um ambiente de confiança e respeito, que incentive a experimentação e o diálogo aberto, enquanto promove o desenvolvimento contínuo das pessoas. “Para mim, esses são os elementos-chave para o sucesso de um trabalho multigeracional”, pontua Rochelli, reforçando que a diversidade pode impactar tanto o desenvolvimento das pessoas quanto o crescimento da companhia.
Apesar de o celular ser uma unanimidade entre todas as gerações, cada uma tem seu estilo próprio de trabalho e preferências de comunicação. E isso não tem nada de negativo; muito pelo contrário, pois estimula – de forma bastante natural – a aplicação de novas ideias e abordagens. “Dessa forma, podemos contar com equipes dinâmicas nas quais as ideias são discutidas sobre múltiplas perspectivas”, observa. Além disso, tomando como exemplo a Nauterra, com colaboradores distribuídos em escritórios e fábricas, essa multiplicidade tende a aumentar a resiliência das equipes ao combinar a experiência dos mais velhos com a adaptabilidade dos jovens.
As porta-vozes da Naturgy e Nauterra destacam ainda outros benefícios resultantes desse mix geracional: retenção e atração de talentos, geração de soluções criativas, maior produtividade, adaptabilidade e engajamento. Quando a diversidade está enraizada na cultura organizacional, o ambiente de trabalho se torna mais positivo e colaborativo, promovendo maior satisfação e compromisso dos colaboradores com a empresa.