Transformar o mundo corporativo e a sociedade em um lugar melhor tem sido a missão de João Paulo Pacífico, engenheiro com formação em finanças, CEO e fundador do Grupo Gaia, uma organização do mercado financeiro que ele define como uma empresa de “investimentos de impacto”. Comprometido com causas como redução da pobreza e meio ambiente, já em seu core business, o empreendimento mobiliza bilhões de reais com debêntures e securitização, entre outros negócios, sendo gestor de produtos polêmicos para os padrões do setor, que operam, por exemplo, junto a assentamentos legalizados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outras iniciativas sociais, beneficiando investidores e assentados.
A companhia mantém uma equipe enxuta, coesa do ponto de vista da cultura e valores, alinhada com o negócio e pautada na psicologia positiva (movimento internacional que propôs e reuniu estudos científicos sobre a felicidade e sobre como as instituições e indivíduos podem promovê-la). O Gaia foi criado há aproxima damente 13 anos, quando o executivo tinha apenas 30, e desejava que os profissionais e as empresas do segmento fossem mais humanos, em um ambiente de trabalho mais feliz.
O início da carreira financeira do executivo foi em 1999, quando o mercado vivia sob uma cultura de líderes tóxicos, o que – ele garante –, por sorte, nunca teve. Em seu primeiro estágio no setor, teve a oportunidade de ser um curioso ouvinte do colega de empresa Gustavo Franco, enquanto dava carona em seu velho Uno ao economista, que tinha acabado de deixar a presidência do Banco Central. Já se plantava ali a semente do pacífico e gentil empreendedor e gestor – gentileza e gratidão são, hoje, alguns dos principais valores do Grupo Gaia.
Além do alcance que empreendeu à companhia, hoje dividida em três blocos – Planeta Gaia, Gaia Impacto e a ONG educacional Gaia +, que juntos abrangem sete empresas –, Pacífico figura como um dos mais populares membros da plataforma LinkedIn – foi considerado uma das Top Voices entre os produtores de conteúdo da rede, com artigos que versam sobre temas como modelos de gestão – a partir de sua própria experiência –, críticas ao governo, à economia, ao capitalismo selvagem e à desigualdade social. É palestrante TED e autor de livros best-seller da categoria “empreendedorismo”. Entre eles, o “Onda Azul: 5 passos para você formar uma equipe feliz e empreender com sucesso” (editora Trilha das Letras) e o recente “Seja Líder como o mundo precisa” (editora Harper Collins), escancarando dados que mostram a necessidade de mudança em meio a uma epidemia de burnout e à falta de modelos positivos de liderança. Em pesquisas no LinkedIn, o executivo cons tatou que grande parte das pessoas já se submeteu a lí deres nocivos e sofreu com o esgotamento psicológico por questões laborais. O CEO, que se considera um ativista, cedeu entrevista com exclusividade à Melhor RH.
Como começou a ser um CEO ativista e quando se iniciou a Onda Azul no Grupo Gaia?
O grupo começou em 2009, a partir de um incômodo, uma insatisfação sobre como o mercado financeiro trabalhava. Foi no meio de uma crise, de 2008 para 2009 – uma crise grande lá fora – que eu resolvi empreender para fazer as coisas de uma forma diferente. Eu não tinha certeza do que era esse diferente. Sabia que estava incomodado e o principal fator desse incômodo, na realidade, era a questão humana e como as pessoas tratavam umas às outras no mercado – como um número, uma máquina de geração de lucro. E aí a minha forma de agir – eu que não tinha nenhum patrimônio, nem herança nem nada – foi empreender. Fui trabalhar com o mercado financeiro, que era do que eu entendia. Desde o começo, tentei fazer uma empresa muito mais humana. Em 2013, teve um momento importante, quando conheci a psicologia positiva. Minha formação é financeira, sou engenheiro, nunca estudei psicologia formalmente, mas eu conheci a psicologia positiva e mergulhei fundo, comecei a ler muitos livros. Mais recentemente eu fiz um curso com professores de fora. Li muitos livros de Tal Ben-Shahar, Shawn Achor, Myihaly Csikszentmihalyi e Martin Seligman [principais expoentes da Psicologia Positiva]. Ao mergulhar no tema, eu entendia e aplicava na Gaia. Eu tinha um laboratório vivo, num mercado muito diferente, que não valorizava o ser humano.
E a Onda Azul?
A Onda Azul [título do seu livro] veio depois de 2014. É sobre espalhar coisas boas para as outras empresas. As pessoas não precisam tratar as outras mal, as empresas não precisam ter pessoas tóxicas. Essa onda de burnout que a gente está vivendo hoje em dia é causada por líderes tóxicos. Vamos inspirar outras empresas, simplesmente, por um altruísmo, uma compaixão.
Como isso funciona na prática? É uma gestão mais horizontalizada, com um departamento de RH estruturado que consegue alinhar as causas, os valores, fazer a transmissão disso de uma forma adequada?
Com relação ao nosso RH, desde 2013, quando a gente instalou os valores, passamos a chamá-lo de área VIP – Valores Integrando Pessoas. A gente cria rituais, nos quais a gente fortalece os valores. Isso é fundamental e tem que estar sempre mudando – se você se acostuma, entra numa zona de conforto. Temos o Senhor Gentileza que é um bonequinho que fica com alguém, e depois de alguns dias ele passa pra outra pessoa da empresa que foi gentil com ele. Está rodando a empresa já há nove anos.
E na pandemia, com home office, como foram esses encontros?
Mesmo na pandemia, em home office, a gente faz isso de maneira virtual. A gente não parou o Gen tileza. Temos reuniões periódicas – eram três vezes por semana, agora é uma vez por semana com toda a empresa. No momento dessa reunião, quem está com o Gentileza virtual passa pra outro colaborador e explica como essa pessoa foi gentil com ele. A gente entende que esse é um reconhecimento, um reforço positivo dentro da equipe.
Uma das coisas mais importantes hoje é a coerência entre o que você fala e o que você faz (João Paulo Pacífico)
Quais outras práticas?
De tempos em tempos também fazemos o Jornal da Gratidão. A gente tem festas, atividades, karaokê na empresa para celebrar as conquistas grandes e pequenas, que fazem parte do “Celebre”, outro valor da companhia. Temos o Comunique-se, que é uma reunião trimestral – na verdade são reuniões de quatro pessoas, com um feedback a respeito dos va lores para aquela pessoa coordenada pela área VIP. Quem operacionaliza tudo isso é a área VIP e com um altíssimo grau de envolvimento dos maiores líderes da empresa. Porque também não adianta o RH de uma empresa tradicional dizer “gente, tem uma coisa superlegal, vamos fazer isso” e a alta gestão não estar nem aí, nem aparecer. O comprometimento dos maiores líderes da organização é fundamental para a implantação de uma cultura de valores. No outro eixo, que são as causas, mais recentemente a gente criou uma empresa, a Gaia Impacto – e eu estou à frente dela –, onde só olhamos negócios que conversem com nossas causas. Eu posso fazer um negócio financeiro que vai reduzir a desigualdade, que vai levar recurso para quem não tem, vai ajudar a agricultura orgânica, o agroflorestal, os assentamentos rurais, como o MST. Uma das coisas supe rimportantes no mundo, hoje é a coerência entre o que você fala e o que você faz.
São quantas pessoas hoje no grupo?
Alguma coisa entre setenta e oitenta [84 segundo dados institucionais] – são poucos funcionários. O meu conceito é aumentar o impacto e não com muita gente. Não conto as empresas em que a gente investe, porque não são diretamente da nossa gestão. Quanto maior a empresa, fica mais difícil de você manter essa coesão de valores e de cultura.
Hoje o Grupo Gaia não está só no mercado financeiro, certo? Há outros negócios? Quais são os setores em que vocês estão atuando e de que forma?
A gente tem participação em outros negócios tam bém, mas a forma com que nos posicionamos hoje é como uma empresa de investimento de impacto. Vai muito além do mercado financeiro. Vou dar um exem plo. A gente está fazendo um trabalho com uma coo perativa indígena e uma das coisas que a gente fez foi criar o logo dela. Então vai muito além de simplesmen te providenciar um recurso para aquela cooperativa prosperar. A gente está emprestando dinheiro para eles, a gente está ajudando eles a se estruturarem, aju dando no marketing, por exemplo, para essa coopera tiva prosperar. Estamos abraçando essa causa indíge na, que conversa tanto com a questão da desigualdade quanto com a da crise climática. Mas não adianta só dar dinheiro. Há outras coisas em que a gente conse gue ajudar, com empresas, com fundos, com contatos. E tudo isso de forma sustentável, para que a Gaia tam bém seja remunerada.
E com relação às causas que vocês defendem? As ações ligadas a elas são consenso de toda a equipe? Vocês discutem essas causas abertamente?
Os valores na Gaia como um todo são inegociáveis, tá? Quando a pessoa entra na Gaia ela já sabe que a gente quer que todo mundo se comporte ali nhado com nossos valores. Em relação às causas, como a gente implementou depois, a gente dividiu a empresa – uma parte é o planeta Gaia e a outra é a Gaia Impacto. Mas as pessoas que estão trabalhan do diretamente na Gaia Impacto hoje têm que estar absolutamente comprometidas com as causas. A cultura é o que a gente fala que é essa Onda Azul, que a gente quer espalhar para as pessoas, para mostrar que é possível você ter um ambiente bacana para elas, que o trabalho não tem que ser lugar onde acontece coisa ruim, que traz dor para as pessoas. Me vem uma frase na cabeça para falarmos aos RHs, que é “nós não podemos normalizar o que é inaceitável”. Alguns comportamentos que a gente vê hoje, como líderes tóxicos e uma pandemia de pessoas com burnout, nós não podemos normalizar isso. Isso é inaceitável. E a gente só tem um caminho: mudar.