O Brasil enfrenta uma crise de saúde mental no ambiente de trabalho, evidenciada por um número recorde de afastamentos por transtornos como ansiedade e depressão. Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, apenas em 2024, foram registrados 472.328 afastamentos por essas causas, um aumento de 68% em relação ao ano anterior.
Nesse cenário preocupante, a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), ao incluir a obrigatoriedade do gerenciamento de riscos psicossociais, surge como um marco importante. Contudo, a busca por soluções para atender a essa demanda levanta um debate relevante sobre o papel da tecnologia, especialmente da Inteligência Artificial (IA), em contraste com a intervenção humana.
A NR-1, ao tornar o cuidado uma obrigação, não especifica detalhadamente como ele deve ser implementado. Essa ausência de diretrizes pode, inadvertidamente, incentivar a adoção de plataformas e aplicativos baseados em IA como uma resposta aparentemente eficiente e menos onerosa.No entanto, é fundamental questionar: um algoritmo consegue interpretar as nuances, os silêncios e os sinais não verbais que um profissional humano capta em uma interação?
Embora a tecnologia traga avanços importantes, é preciso reconhecer que ela também carrega um lado sombrio: pode aprofundar a sensação de solidão. À medida que se começa a substituir o contato humano por interações com máquinas — uma tendência crescente —, surge o risco de se afastar da escuta genuína e das conexões humanas significativas.
Além disso, ao optar por interagir com a IA, o indivíduo corre o risco de reforçar a própria zona de conforto emocional: a IA opera a partir dos dados que lhe são fornecidos e dificilmente fará perguntas que desafiem, que provoquem reflexões mais dolorosas ou que confrontem pensamentos disfuncionais.Um colaborador pode até encontrar um espaço para desabafar, mas corre o risco de não ter o contraponto crítico e empático, essencial ao processo terapêutico.
Ao escolher a IA como interlocutora, ele molda o sistema com base na sua própria percepção, diferente do que ocorre com o terapeuta humano, que vai além: capta inclusive as nuances inconscientes, aquelas que muitas vezes resistimos a olhar.
Em suma, a IA não confronta — conforta. E nisso reside um risco silencioso: a manutenção de padrões que necessitam de mudança, mas que permanecem intocados. Em situações de crise aguda, a capacidade de resposta da IA pode ser limitada e até inadequada, devido aos vieses algorítmicos ou à ausência de leitura emocional profunda.
A terapia conduzida por um profissional humano qualificado oferece uma dimensão de cuidado que a tecnologia não alcança, porque essa pessoa é treinada para “ler” além das palavras. Muitas vezes, o desconforto ou a resistência sentidos durante uma sessão são indicativos de que pontos sensíveis estão sendo tocados, catalisando a mudança e o crescimento.
Felizmente, diversas empresas já reconhecem o valor da abordagem humanizada. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçam essa perspectiva: cada dólar investido no tratamento de transtornos mentais comuns retorna quatro dólares em saúde e produtividade.
Fica claro que o cuidado efetivo com a saúde mental, mediado por profissionais humanos, é vantajoso sob todos os aspectos.As empresas devem, sem dúvida, cumprir a NR-1. Mas é imperativo que esse cumprimento transcenda a mera formalidade legal. Trata-se de uma oportunidade para cultivar ambientes de trabalho genuinamente saudáveis e acolhedores.
A IA pode figurar como um recurso complementar: uma ferramenta de suporte inicial, de triagem ou de educação. Contudo, a essência do cuidado com a saúde mental reside na conexão humana.
É na interação qualificada, na escuta atenta e na capacidade de um terapeuta em promover o autoconhecimento, provocar a autorreflexão e facilitar a resiliência que se encontra o caminho para uma força de trabalho mais saudável e engajada.
Diante da crise atual, a resposta não pode ser apenas tecnológica; ela precisa ser profundamente humana.