O trabalho remoto e híbrido deixou de ser um experimento emergencial e se consolidou como estratégia de gestão e cultura. Nas empresas que amadureceram o formato, a flexibilidade deixou de ser um benefício para se tornar um valor organizacional. Essa transição exige mais do que tecnologia: pede liderança preparada, políticas claras e conexão entre propósito e performance.
Empresas como Asaas, Radix e Unico representam esse novo estágio de maturidade, no qual autonomia, confiança e bem-estar caminham juntos. Mais do que adaptar processos, elas redesenharam suas culturas para sustentar um ambiente produtivo e inclusivo, mesmo a distância.
Liberdade com responsabilidade e alta retenção

A fintech Asaas, sediada em Joinville (SC), adotou o modelo remote first em 2021, mas o movimento começou antes. “Em 2019, já estruturávamos rituais digitais e encontros virtuais para fortalecer o time”, explica Isabela Holz, coordenadora de Engajamento de Pessoas.
Hoje a empresa reúne cerca de 900 colaboradores distribuídos por todo o Brasil, mantendo coesão e produtividade. “Nosso modelo se apoia na liberdade com responsabilidade. Cada colaborador tem autonomia para escolher de onde trabalha, com foco em resultados”, completa Isabela.
Os indicadores confirmam o sucesso. A companhia registra turnover voluntário mensal de 0,41% e retenção de 98,4%, índices raros no setor. “A cultura antecede o modelo. É ela que garante consistência e engajamento, independentemente da distância”, reforça a executiva.
Híbrido inteligente e cultura de pertencimento

Na Radix, o formato híbrido ganhou intencionalidade. O programa Radix Conecta, criado em 2021, estrutura a presença física de forma estratégica. “O presencial existe quando faz sentido, por exemplo, em reuniões, treinamentos e celebrações. Fora isso, a autonomia é total”, afirma Mariana Araújo, gerente sênior de Gente & Gestão.
O modelo, que a empresa chama de “híbrido inteligente”, fortalece vínculos sem abrir mão da flexibilidade. “Queríamos preservar o senso de comunidade que sempre nos diferenciou. Hoje, colaboradores de todo o País têm liberdade para atuar de onde são mais produtivos”, completa Mariana.
Com mais de metade do time fora das cidades onde mantém escritórios, a Radix combina coworkings, encontros regionais e imersões presenciais. “Os vínculos são intencionais, não ocasionais. Isso mantém viva a nossa cultura”, diz. O resultado é um turnover de apenas 1,18%, muito abaixo da média do setor de tecnologia.
Engajamento e bem-estar como estratégia

Na Unico, rede de verificação de identidade, o trabalho remoto e híbrido se organiza por meio do programa Conecta Unico. “Queríamos fortalecer conexões e gerar impacto real no dia a dia dos colaboradores”, explica Rafaela Provensi, diretora sênior de Operações e Pessoas.
O modelo combina autonomia e propósito, com três possibilidades de atuação: totalmente remoto, híbrido e formatos personalizados. “A flexibilidade é um diferencial competitivo. Ela amplia a satisfação e o senso de pertencimento, o que naturalmente reduz o turnover”, afirma Rafaela.
O impacto aparece nos indicadores: a Unico mantém um índice de engajamento de 85%, refletindo confiança na liderança e alinhamento com os valores da empresa. As ações voltadas à saúde e integração também são parte da equação. “Temos o ConectaSports, com aulas de yoga, funcional e o Desafio GymRats, que engajou 137 colaboradores e somou mais de mil horas de atividades físicas. Isso traduz o que acreditamos: bem-estar é parte do trabalho”, completa.
Entre os benefícios, estão auxílios de home-office e mobilidade, licença parental estendida, day-off no aniversário dos filhos e reembolso educacional. “Nosso papel é criar um ambiente que respeite a individualidade e incentive a longevidade profissional”, resume a executiva.
Estrutura e liderança como base de confiança

Para Cléo Carneiro, diretor do GContt e especialista em teletrabalho, o sucesso do modelo depende de governança. “O trabalho remoto não pode ser improviso. Ele precisa de política formal, com regras claras sobre jornada, ergonomia, desconexão e segurança da informação”, explica.
Segundo ele, o Brasil vive um novo estágio de maturidade no tema. “As empresas entenderam que home-office não é programa de RH, é estratégia de gestão. Autonomia sem estrutura vira caos; estrutura sem autonomia vira controle. O equilíbrio é o que sustenta o modelo.”
Nas companhias maduras, a liderança é o elo central dessa transformação. Tanto no Asaas quanto na Radix e na Unico, os gestores são preparados para liderar com empatia e foco em resultado. “O líder não controla presença, ele desenvolve pessoas. E é isso que torna o remoto sustentável”, afirma Cléo.
Maturidade e propósito como diferenciais
Mais do que tendência, o trabalho remoto e híbrido tornou-se símbolo de maturidade organizacional. As empresas que consolidaram o modelo não buscam economizar espaço físico, mas ampliar sua capacidade de atrair e reter talentos, oferecer bem-estar e garantir performance.
Essa evolução revela que o futuro do trabalho não está no local, mas na qualidade das relações. “O que antes era improviso virou política, cultura e propósito”, conclui Cléo Carneiro. “E isso coloca o Brasil em um patamar de inovação silenciosa, mas transformadora.”
O cenário do trabalho remoto e híbrido no Brasil • 7,4 milhões de brasileiros atuaram em regime de teletrabalho em 2022, o equivalente a 7,7% da população ocupada. • A renda média desses profissionais foi de R$ 6.479, quase três vezes maior que a dos não-teletrabalhadores. • Trabalhadores no País desejam atuar 1,2 dia a mais por semana em casa do que suas empresas permitem. • Globalmente, colaboradores totalmente remotos apresentam 31% de engajamento ativo, contra 23% dos híbridos e 19% dos presenciais. • Empresas economizam em média US$ 11 mil por funcionário ao ano com redução de custos operacionais e menor turnover. • Aproximadamente um terço das horas de trabalho remoto ocorre fora de casa — em cafés e coworkings —, favorecendo mobilidade mais sustentável. |
Fontes: IBGE (2022); Gallup (2024); WFH Research (2023); RemotePeople (2024); arXiv (2023).