O uso de socorristas de saúde mental começa a se firmar como uma resposta prática para lidar com situações de sofrimento emocional no ambiente de trabalho. Empresas de diferentes setores têm adotado a estratégia como forma de oferecer escuta inicial, reconhecer sinais de risco e facilitar o acesso a profissionais especializados. A proposta busca reduzir barreiras, aproximar o tema da rotina e garantir que o cuidado chegue no momento certo.
Esse movimento também reflete um ajuste importante na forma como as organizações têm enxergado a saúde emocional. Antes concentrada em programas formais ou em iniciativas pontuais, a discussão agora passa por articulações mais operacionais, que envolvem preparo técnico, fluxos de encaminhamento e atuação integrada com as áreas de saúde, liderança e RH. Nesse cenário, os socorristas se tornam uma peça adicional para organizar o caminho entre o pedido de ajuda e os serviços disponíveis.
Expansão na formação e estrutura de apoio interno

Na Motiva, que opera as linhas 4-Amarela, 5-Lilás, 8-Diamante e 9-Esmeralda do transporte por trilhos na Região Metropolitana de São Paulo, a formação de socorristas integra o Programa Viva Bem. Meire Blumen, gerente corporativa de Saúde, explica que a iniciativa foi criada para facilitar o acesso ao suporte emocional. “Queremos que cada colaborador tenha acesso a suporte quando precisar. A formação foi pensada para reconhecer sinais e acionar os canais adequados antes que o problema avance”, afirma.
Mais de 1.500 colaboradores se inscreveram e 497 concluíram a capacitação. O número expressivo mostrou a receptividade interna. “Tivemos cerca de mil inscrições em menos de um mês. Isso sinaliza que o tema já faz parte da rotina das equipes”, diz Meire. Os socorristas atuam como primeiro ponto de escuta e direcionam colegas ao Programa de Apoio Viva Bem, que reúne psicólogos, assistentes sociais, consultores financeiros e suporte jurídico.
Para sustentar o modelo, a Motiva adotou avaliações técnicas e supervisão regular conduzida pela parceira Tellus By Care. O processo acompanha dúvidas, riscos e necessidades que surgem após a formação. “O suporte inclui quem procura ajuda e quem acolhe. As duas pontas precisam de atenção”, descreve Meire.
Curso e brigada interna

No setor de saúde, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz formou mais de 400 participantes desde 2021, com cursos que abordam transtornos mentais, sinais de risco, manejo inicial de crises e práticas de escuta. “A capacitação permite compreender sinais e agir de forma estruturada. Isso contribui para encaminhamentos mais rápidos”, afirma o Dr. Diogo Haddad, líder do Centro Especializado em Neurologia.
O hospital criou ainda uma brigada interna com 30 socorristas, responsável por observar comportamentos que possam indicar sofrimento emocional, como retraimento e queda de desempenho. Angelica Martins, psicóloga do Centro de Atenção à Saúde do Servidor e do Colaborador, resume o papel da equipe. “Os socorristas oferecem acolhimento e encaminhamento inicial. Não substituem profissionais da saúde, mas facilitam a chegada do cuidado especializado”, explica.
A instituição registrou maior procura pelos serviços internos, redução de episódios críticos e fortalecimento do diálogo sobre saúde emocional. “Observamos mais abertura para falar sobre sofrimento emocional e mais procura pelos serviços de apoio”, destaca Angelica.
Implementação exige diagnóstico e fluxos bem definidos

Para empresas que desejam iniciar um programa semelhante, Fábio Camilo, líder de Soluções Corporativas da Vittude, destaca a importância de começar com diagnóstico. “Antes de formar uma brigada, a empresa precisa mapear riscos psicossociais e entender quais fluxos de cuidado já existem. Caso contrário, os voluntários não saberão quais demandas enfrentarão”, afirma.
A escolha dos agentes deve considerar competências socioemocionais, estabilidade emocional e capacidade de seguir protocolos. “O agente acolhe, escuta e encaminha. Não é um papel terapêutico. Por isso, a seleção exige critérios claros”, explica Camilo. Ele reforça que os limites precisam ser definidos logo no início. “Socorristas não diagnosticam, não tratam e não conduzem conflitos complexos”, decreta.
A empresa deve criar fluxos integrados de atendimento e definir passos para escuta, classificação de risco, encaminhamento e escalonamento. Protocolos de sigilo, diretrizes para crises severas e canais formais para acionar psicólogos completam a estrutura. “Sem protocolo, o programa tende a gerar confusão e insegurança para quem acolhe”, alerta o especialista.
Supervisão e acompanhamento sustentam a continuidade das ações

Para evitar desgaste e manter o programa atualizado, encontros periódicos, debriefings após atendimentos intensos e revisão contínua dos indicadores são fundamentais. “O programa precisa ser acompanhado de perto. Caso contrário, a brigada perde consistência”, afirma Camilo.
Na Motiva, os efeitos aparecem no cotidiano. “A presença de socorristas cria um ambiente em que as pessoas se sentem à vontade para pedir ajuda. Isso fortalece a segurança psicológica”, afirma Meire Blumen.
No Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a mudança também é visível no comportamento das equipes. “Reduzimos tensões e ampliamos o acesso ao cuidado. Isso ajuda a construir relações mais estáveis entre as equipes”, avalia Angelica.

