Saúde

Cuidados à vista

de Camila Mendonça em 23 de janeiro de 2014

Quem assume uma cadeira de liderança sabe que ocupá-la não é das tarefas mais fáceis: lidar com gente, cumprir prazos cada vez mais apertados, aguentar a pressão do chefe por resultados, do mercado por rentabilidade, da família por mais atenção, e de si mesmo pela melhor performance. Para gerir tudo isso é preciso ter saúde de ferro. O problema é que a saúde dos executivos brasileiros anda enferrujada e está na corda bamba do mundo corporativo. Segundo especialistas, doenças como colesterol alto, hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares continuam na lista das preocupações entre a população de terno e gravata e, se comparadas com os últimos dois anos, continuam com índices preocupantemente altos. A novidade é que doenças emocionais têm ganhado mais espaço nos relatórios médicos. E isso não é nada bom.

Das doenças que afetam a mente, ansiedade, estresse e a depressão são as mais comuns entre os executivos. E não é difícil entender os motivos, como explica a médica e líder da área de clientes da AxisMed, Ana Claudia Pinto. “São vários fatores que levam a essa condição, como a excessiva busca pela felicidade constante. As pessoas não estão sabendo lidar com as frustrações normais da vida. A pressão por resultados e a enorme carga de trabalho também contribuem para esse cenário”, diz. A companhia faz o monitoramento individual de pessoas que passaram por check-up e precisam realizar algum tratamento ou mudanças de hábitos – a ideia é gerenciar o tratamento e dar suporte à mudança. E do total de executivos monitorados pela empresa, 11% possuem depressão e riscos de depressão. Destes, 14% são mulheres e 7% são homens.

Fusão

Raquel, do Albert Einstein: aumento do uso de medicamentos para hipertensão

Empresas que sofrem reestruturação ou passam por fusão também geram altos índices de estresse entre os funcionários, o que pode levar à depressão, lembra a médica Raquel Dilguerian, gerente da Unidade Jardins do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “E sabidamente as doenças mentais, a obesidade e o sedentarismo estão associados ao presenteísmo e à perda de produtividade”, afirma. “Esse foi um ano diferente. A economia andou de lado e o Brasil viveu momentos inquietantes, que se refletiram no estado de espírito das pessoas e nas suas preocupações – e isso detonou o aumento do estresse”, analisa o clínico e cardiologista Antonio Carlos Till, diretor-médico do Vita Check-Up Center.

Todo esse cenário torna o estado físico e mental das pessoas mais vulnerável. Avaliações de estresse emocional feitas pela Vita Check-UP mostram que o estresse entre executivos cresceu de forma significativa. São quatro níveis medidos, de 0 a 4. Até o grau 2, existem consequências na saúde, como no sono e distúrbios alimentares. Os graus 3 e 4 são mais graves e têm crescido mais, segundo Till. “Esse nível já consideramos uma faixa patológica, com consequências danosas à saúde. Do ponto de vista psicológico, agravam-se episódios de insônia, tosse noturna e ronco, e aumenta a má qualidade do sono”, explica.

Lado Emocional
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo e já é considerada um dos principais problemas de saúde mundiais a serem combatidos. No mundo corporativo não é diferente. “Nos mapeamentos de saúde realizados em nossos clientes encontramos doenças emocionais, respiratórias e crônicas como os principais problemas que afetam os executivos. E as questões relacionadas à saúde emocional tornam-se cada vez mais relevantes”, afirma Eduardo Marchiori, diretor da Mercer Marsh Benefícios Brasil. Segundo dados da companhia, em média, os afastamentos relacionados à saúde emocional representam um número de dias de afastamento 2,5 vezes maior que a média relacionada a outras causas, impactando de forma significativa a produtividade das empresas. “Em algumas empresas, os custos relacionados ao absenteísmo e à perda de produtividade atingem 20% dos custos diretos e indiretos com a saúde”, avalia Marchiori.

Apenas no mercado norte-americano, trabalhadores que em determinado momento de suas vidas foram diagnosticados com depressão faltaram juntos, por ano, cerca de 68 milhões de dias a mais que aqueles que não apresentaram problemas, segundo pesquisa publicada ano passado pela Gallup. O resultado é um custo estimado de 23 bilhões de dólares em perda de produtividade por ano, somente devido ao problema. Ao todo, cerca de 12% dos trabalhadores norte-americanos apresentaram o problema em algum momento e hoje cerca de 6% estão em tratamento.

#L# No Brasil, a depressão figura como problema real de afastamento do ambiente de trabalho. Dados do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) mostram aumento de quase 27%, entre janeiro e agosto de ano passado, no número de benefícios concedidos por afastamento de trabalho pela Previdência devido a transtornos mentais e comportamentais. Considerando apenas os transtornos de humor, que incluem episódios e transtornos depressivos, este aumento foi de mais de 28%. Na categoria afastamento por “reações ao estresse grave e transtornos de adaptação”, existiam 756 benefícios em agosto de 2013, contra 631 em janeiro. Considerando apenas a população executiva, a última pesquisa da operadora Omint, divulgada em 2012, com 15 mil executivos, mostra que a ansiedade tem crescido, atingindo mais de 18% dos pesquisados em 2011, contra quase 15% em 2009.

Corpo (ainda) doente
Doenças emocionais, como estresse e depressão, nunca estão sozinhas e abrem as portas para a piora de problemas físicos que já são realidade entre os executivos. “A depressão agrava todas as outras doenças emocionais e físicas que acometem os executivos, como hipertensão, colesterol, diabetes e excesso de peso”, avalia Ana Claudia Pinto, da AxisMed. De acordo com Raquel, do Albert Einstein, entre 2012 e 2013, houve piora em todos os índices de risco para diabetes e doenças cardiovasculares e aumento do uso de medicamentos para hipertensão e dislipidemia entre os executivos que realizaram check-up no hospital, além do crescimento de doenças crônicas, como diabetes e obesidade.

Till, do Vita Checkup: estresse entre executivos cresceu de forma significativa

Segundo Till, o estresse também pode agravar quadros de baixa autoestima, que pode impactar a rotina dos profissionais. “Eles se sentem impotentes para mudar as próprias condições de trabalho e isso tem consequência na hora de enfrentar desafios”, afirma. O estresse também piora problemas digestivos, como dores gástricas, problemas de pele, como dermatites e afecções alérgicas, e até queda de cabelo. “Do ponto de vista intelectual, o estresse afeta a concentração, intensifica problemas de memória e pode afetar o comportamento”, avalia. Em determinados níveis, o estresse leva ao uso de drogas e abuso do consumo de álcool. Na parte cardíaca, diz o médico, o carro-chefe é hipertensão arterial, agravada pela obesidade e sobrepeso, que atingem 65% da população. Diabetes também está lista dos principais problemas corporativos.

Estresse diário
“A saúde do executivo exige cada vez mais atenção dada à falta de tempo para cuidados básicos que, aliada ao estresse do dia a dia corporativo, intensifica a presença de doenças”, reforça Marchiori, da Mercer Marsh. Dados da companhia revelam que entre 2012 e 2013, considerando os executivos que realizaram check-ups, 44% melhoraram, 25% mantiveram-se estáveis e 31% pioraram. A melhora ou piora da saúde foi estabelecida com base em indicadores como colesterol total — HDL, LDL e VLDL —, tabagismo, pressão arterial, triglicérides, circunferência abdominal e glicemia. Dentre esses indicadores, o percentual de tabagistas foi o que mais caiu, de 8% em 2012, para 6%, em 2013, ao passo que o percentual de obesos passou de 16% para 18% entre a população executiva atendida pela empresa.

Há quatro anos, o coordenador de relacionamento com clientes da Mega Sistemas Corporativos, Thomaz Neto, de 32 anos, resolveu retomar a atividade física, que diz fazer constantemente parte da sua rotina. “Sempre pratiquei esporte, mas quando você vai ficando mais velho, vai ficando sem tempo para se cuidar”, conta. O momento de deslize fez o executivo chegar aos 100 quilos. Na época, as oito horas de trabalho diárias aliadas às rotinas de estudos para completar a pós-graduação em gestão de projetos fizeram o executivo descuidar da alimentação. “Estava sem tempo e comia só sanduíche”, diz. Insatisfeito, ele aproveitou o plano de saúde oferecido pela empresa para consultar uma nutricionista. Contudo, foi a equipe de corrida da companhia, a Mega Running, criada há três anos, que acelerou a perda de 15 quilos e o incentiva a manter a rotina saudável.

O grupo começou com a iniciativa de funcionários da companhia. Com o aumento do interesse, a empresa passou a apoiar o grupo e hoje destina uma verba para custear a participação em competições. Neto corre há mais de um ano com os colegas de empresa. “Quando o grupo começou, eu não corria, mas o pessoal foi incentivando e acabei entrando na equipe e hoje me preocupo em ter uma vida mais tranquila na semana e sou mais regrado com alimentação e exercícios”, conta Neto, que faz check-ups anualmente, pelo plano da companhia. O executivo não acredita que o peso que ganhou em dois anos foi motivado por crises de estresse, embora conte que já tenha passado por elas. “Hoje em dia, é natural a pressão por agilidade e já tive momentos de forte de estresse, porque você tem de atender bem o cliente, cumprir prazos e datas, e o estresse é inevitável, mas atualmente lido bem com isso. E até os exercícios ajudam”, conta.


Mais consciência e menos desculpas

Cada vez mais executivos dão atenção à saúde

Ana Cláudia, da AxisMed: executivos mais conscientes com a saúde

Embora o cenário não seja dos melhores, há um fator positivo que tem crescido nos últimos anos: executivos estão mais atentos à própria saúde e empresas assumem parte da responsabilidade pelo bem-estar dos funcionários. “Há uma maior preocupação com a questão dos exames preventivos”, afirma Till, da Vita Check-Up. “Com relação à atividade física e alimentação, tenho visto declarações de pessoas que sabem que estão fugindo do script, mas estão mais conscientes. Tenho observado a redução das desculpas”, afirma. “O tempo inteiro se fala em saúde, então, os executivos tentam buscar alternativas para serem inseridas no dia a dia deles”, afirma Ana Cláudia, da AxisMed. Segundo ela, os executivos demoram, em média, dois anos para inserir ações efetivas na rotina em prol da saúde a partir do momento em que se conscientizam de que precisam mudar e que um dos fatores que tornam os cuidados com a saúde uma realidade na vida dos executivos é a motivação. “Ele está mais consciente, sabe que precisa mudar, mas precisa encontrar a motivação que fará com que ele mude hábitos”, avalia.

A consciência a respeito da própria saúde faz com que benefícios de saúde sejam cada vez mais valorizados pelos funcionários, tornando-se fator de retenção, principalmente em cenários de altos custos. “O empregado valoriza cada vez mais o plano de saúde corporativo porque sabe o quanto desembolsaria se tivesse de custear um plano com o mesmo padrão oferecido pela empresa”, afirma Eduardo Marchiori. Um estudo da Mercer Marsh em 2013 mostrou que o custo do plano individual supera em até 150% o custo do mesmo padrão de plano oferecido pela empresa. “Além do custo, o cenário desfavorável para a contratação de um plano individual contribui para que o funcionário valorize o plano oferecido pela empresa”, completa o executivo.

Independentemente dos motivos, cresce o número de empresas que oferecem algum benefício relacionado à saúde. Ainda segundo a Mercer Marsh, houve aumento de 23% em 2013 no número de clientes que solicitaram cotação de check-up para os executivos. A pesquisa de benefícios 2013 da companhia, com cerca de 300 empresas, mostrou aumento de 19 pontos no percentual de empresas com programas de saúde e qualidade de vida. “Esse dado indica uma preocupação cada vez maior das empresas com gestão de saúde, para tentar conter o aumento dos custos médicos que nos últimos anos têm ficado muito acima da inflação econômica, e para atuar sobre os custos indiretos relacionados à saúde, como o absenteísmo e acidentes de trabalho, que, dependendo do segmento, superam os custos diretos”, avalia Marchiori. Embora o interesse seja generalizado, são as grandes empresas que mais estão atentas aos benefícios de saúde. Elas respondem por 65% do total dos clientes com check-up da Mercer Marsh. Pequenas companhias representam 25% do total.

No Albert Einstein houve um aumento no número de empresas que oferecem check-up aos funcionários entre 15% e 20% – o que não diz muito, acredita Raquel, gerente da Unidade Jardins do hospital. “A preocupação maior ainda é associada com a explosão nos custos atrelados à saúde, agravada pela gestão fragmentada da área, dividida entre ocupacional, operadoras, corretoras, consultorias e RH”, afirma. “O check-up é visto simplesmente como um benefício, um valor agregado na hora de fechar contrato com um alto executivo. Aumentar check-up não significa aumentar a preocupação e o investimento em saúde, o que requer estratégia e investimento”, explica.

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