Entrevista

Fora do eixo Rio/São Paulo, desafio ainda é atrair mão de obra qualificada

Charmoniks Heuer, Gestora de Capital Humano do Grupo Condor e Vice-Presidente da ABRH no Paraná, comenta obstáculos do setor



Como em um avião despressurizado, em que se coloca a máscara em si, para depois auxiliar os demais com as próprias máscaras, Charmoniks Heuer, Gestora de Capital Humano do Grupo Condor, entende que pilotar os recursos humanos requer atenção à própria carreira e ao próprio bem-estar. “É preciso primeiro ser feliz, antes de fazer outras pessoas felizes”, diz a executiva, que ouviu a frase de sua mãe, e hoje a repete como bordão de vida e profissão. Com esse olhar, que se estende à sua trajetória em gestão de pessoas, ganhou destaque por duas vezes consecutivas no Prêmio Melhor RH Sul, concedido pela Plataforma Melhor RH aos líderes mais inspiradores e relevantes da região. De pedagoga a liderança no ecossistema de gestão de pessoas, Charmoniks também ocupa a cadeira da Vice-presidência regional da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Paraná (ABRH-PR). Em entrevista à Plataforma, ela comenta sobre os desafios do setor, sobretudo regionais.

Quais desafios você observa na gestão de pessoas fora do eixo Rio/ São Paulo? 


Aqui a gente tem problema de mão de obra, está difícil atrair gente para trabalhar, num momento de pleno emprego. Eu falo da indústria metalúrgica, do varejo, de todos os segmentos. O que está faltando é capacitação, ainda, na parte técnica. Além disso, nós temos uma segunda dificuldade, que é a parte comportamental, porque as pessoas querem tudo para ontem e não querem mais seguir regras, processos, então as pessoas têm dificuldade. Não estou falando que isso é ruim, mas que mudanças aconteceram, e todos precisam se adaptar.

Qual seria o papel das empresas neste momento, diante desse apagão de qualificação, principalmente na questão comportamental? Elas têm um papel formador nesse sentido?


Sim. Nós até criamos aqui, no Grupo Condor, a universidade corporativa. Porque a gente acredita nisso, que está nas mãos, agora, das empresas, qualificar, instruir,  fazer o papel da educação mesmo, e então trazer para dentro da empresa uma educação de jovens e adultos, para que as pessoas terminem o seu primeiro e segundo grau, e até uma faculdade, se necessário. Mas a empresa também deve trabalhar essa parte de soft skills, fazer os programas de liderança bem feitos, para que as pessoas entendam que as gerações mudaram. Os líderes precisam estar prontos para essa nova geração. Não adianta querer mudar as pessoas, achando que elas têm que ser como antigamente. Esqueça, porque se as pessoas estiverem com essa cabeça, as empresas vão afundar. As pessoas, hoje, estão procurando qualidade de vida. Veio a pandemia, as pessoas ficaram em casa, gostaram, começaram a empreender e aí estão com dificuldades de voltar para o mercado de trabalho, porque tem processos e regras, horários a seguir. Então, o que vai acontecer? Os líderes vão ter que trabalhar com essas pessoas, saber fazer um feedback, saber fazer uma conversa assertiva, entender um pouquinho do que é a vida dessa pessoa lá fora, muitas vezes vai ter que entender o que a pessoa está passando para que ela siga bem e produtiva.

E nesse caminho, outro desafio seria a diversidade, não? Como você vê a questão da diversidade, regional e globalmente? Que outros desafios de pessoas você projeta para o setor de maneira geral em um futuro próximo?

Eu vejo três pontos para serem trabalhados. O primeiro é, sim, a diversidade, eu acho que a gente está no momento em que vai precisar trazer isso muito forte para as empresas. O ESG, também, porque as empresas precisam realmente trabalhar a diversidade num todo. [Charmoniks cita a organização de evento a respeito pela ABRH, em Curitiba (PR)]

E é preciso falar dos sêniores, sobre como são positivos para as companhias, integrados à juventude e à tecnologia. O segundo ponto é a comunicação. Mais precisamente a falha na comunicação dentro das empresas. Elas não estão conseguindo comunicar o que precisam dos colaboradores e eles não conseguem entregar o que é necessário. Eu falo de uma comunicação em todos os sentidos,  do líder com o funcionário, do CEO da empresa, de processos bem definidos, alinhados.

E o terceiro ponto, fortíssimo, é a qualidade de vida. Há uma porcentagem enorme de pessoas doentes. São vários fatores que estão acontecendo, familiares, o pós-pandemia e a empresa – deu um conjunto. E o que que acontece de novo? O governo não consegue dar conta, muitas vezes, de oferecer apoio psicológico, com pessoas qualificadas para dar esse apoio. A empresa tem que trazer para dentro, falar muito sobre burnout, trazer assistente social, psicóloga, não só para fazer terapia, mas para entender um pouco melhor o cenário. Às vezes aquele atestado médico de 2, 3, 4 ou 5 colaboradores é algo que está apontando para a empresa que tem alguma dificuldade. De repente, alguma comunicação do líder. De repente, até o formato da empresa pode ser o problema. Posso dizer para você, por exemplo, que tudo influencia: o computador, uma mesa, a luz, a forma com que a pessoa se senta… Eu acho que a gente está numa época em que precisa escutar as pessoas, entendê-las um pouco melhor e parar de achar que elas estão querendo lesar a empresa, ou que não querem trabalhar, ou que só reclamam. Mas se reclamam, devemos saber o motivo.

Talvez seja o básico, a microgestão do trabalho, dificultada desde a pandemia. E aí migram os problemas para essas questões que você está falando, não?


Um ponto muito interessante é que a gente está muito no WhatsApp e no e-mail, e a gente às vezes acaba esquecendo que tem uma pessoa do outro lado.

Às vezes as respostas são ríspidas e aquilo começa a virar uma bola de neve. Esse remoto trouxe muito isso, essa distância, mas a gente não pode dizer que está ruim o remoto. Eu acho que depende da pessoa e de adaptação. A adaptação da empresa, de todos, porque, para muitos, o remoto trouxe qualidade. Uma coisa com que eu sempre luto

aqui na empresa e vou continuar lutando, também na ABRH, é para mostrar que o importante é o resultado que você me traz. Não importa a quantidade de horas que você trabalha, porque tem gente que trabalha 8 horas e não traz resultado nenhum. Parece uma planta, um enfeite. Mas tem pessoas que trabalham ali, remoto, e trazem resultados. Então, o que é que a gente está precisando? De robôs ou de pessoas com olhar mais humanizado saindo no horário delas? Fazendo a sua gestão de tempo, elas vão poder fazer uma academia, vão poder levar o filho na escola, trazer o filho. A gente tem que começar a pensar o que que a empresa quer e quais são os resultados que a empresa quer do colaborador? A empresa quer pessoas saudáveis? Ou pessoas adoecendo?


Para além da Universidade Corporativa, que você comentou, o que o Grupo Condor está fazendo a respeito das questões que você mencionou?

A nossa empresa é varejo, supermercadista, com turnover muito alto. E nós temos aqui 14 mil pessoas diretas, no Paraná e em Santa Catarina.

Iniciamos um planejamento de qualidade de vida dos colaboradores, com um desenho implantado aos poucos para que eles entendam qual é a importância. Veio forte, também, o  programa para os líderes. Trouxemos duas empresas terceirizadas, incluindo uma faculdade, para dentro do Grupo, para que as pessoas sejam treinadas e qualificadas para assumir cargos de liderança. A gente traz pessoas de fora também, mas queremos ter sucessão dentro da empresa. A diversidade também veio muito forte, e a gente trouxe um programa de mulheres em vulnerabilidade. Chegamos a ter 100 mulheres que moram em abrigo, com medidas protetivas, que a gente contrata, mas não anuncia para os colegas de trabalho que elas são de abrigo. Procuramos trazer pessoas venezuelanas e haitianas, e muitos seniores – a gente fechou aí um número bem alto de pessoas acima de 55 anos.

Estamos caminhando para 2024, com vários projetos. Como eu falei para vocês, é varejo, eu não posso dizer que é 100% mil maravilhas, mas que a gente está vindo assim, caminhando, só crescendo.  A gente está fazendo. Fizemos uma pesquisa com o GPTW [Consultoria Great Place to Work] para entender quais são as nossas dificuldades, porque nós somos várias empresas, supermercado, varejo supermercadista, somos postos de combustíveis e agora compramos uma indústria. São vários segmentos e a gente tem que entender o que está fazendo e que poderia fazer melhor.

E é isso. Eu acho que a gente tem que começar a olhar o que a gente pode crescer e, melhor, escutar os colaboradores. 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail