
A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, aprovada pelo Congresso, representa um alívio imediato para milhões de brasileiros. O impacto se dará principalmente nos salários líquidos de quem atua em funções administrativas e operacionais. Já para as empresas, contadores e fornecedores de software, a novidade traz a necessidade de se adaptar rapidamente a mudanças de cálculo, compliance e até a gestão de benefícios.
“Embora a medida não represente custo adicional para a empresa, o colaborador percebe um ganho líquido imediato. Isso fortalece engajamento e satisfação sem exigir reajustes estruturais”, explica Heliana Salazar, country manager da SGF Global no Brasil.
Repercussão nos benefícios corporativos

Se o trabalhador tem mais poder de compra, o pacote de benefícios passa a ser reinterpretado. Para Heliana, os benefícios continuam importantes na proposta de valor. “Eles seguem como diferenciais para retenção e atração de talentos, mas agora se somam ao ganho líquido, reforçando nossa proposta”, aponta.
Já para Diego Zacarias dos Santos, diretor de Auditoria Interna e Assuntos Regulatórios da Contabilizei, a mudança pode abrir espaço para discussões mais delicadas. “A empresa pode propor reduzir vale-refeição, por exemplo, argumentando que o funcionário já ganhou mais no líquido. É um movimento que exige transparência para não gerar conflitos”, adverte.
Esse dilema mostra que os benefícios não são apenas números: eles carregam significados de reconhecimento e cuidado. “Mexer nessa equação pode gerar desconfiança se não houver diálogo”, completa o diretor de Auditoria.
A delicada equidade interna
Outro ponto sensível é a equidade. Na opinião de Heliana, um analista que passa a ser isento pode se sentir mais valorizado que um coordenador, que continua tributado. O RH precisa administrar essa percepção para evitar ruídos no clima organizacional.
Na SGF Global, a comunicação interna já está sendo preparada para deixar claro que se trata de uma política pública, e não de mérito individual. “Queremos antecipar a narrativa e garantir que os colaboradores entendam a origem do benefício, preservando transparência e confiança”, afirma a executiva.
O nó dos contadores: prazo, compliance e risco de autuação
Na prática, quem primeiro sentirá o peso da mudança serão os contadores. Para pequenas empresas, a nova regra exige que o cálculo da faixa de R$ 5.000,01 a R$ 7.350 seja feito por uma função linear decrescente. “Erros de arredondamento ou definição incorreta da fórmula podem levar a pagamento a menor, com risco de multa, ou a maior, com insatisfação do empregado”, alerta Diego.
Além disso, a alteração precisa estar implantada já na folha de janeiro de 2026, um prazo apertado para empresários que muitas vezes dependem de sistemas mais simples e suporte limitado. O risco é dobrado: de autuação fiscal e de perda de credibilidade com os funcionários.
Complexidade técnica e necessidade de testes

Os ajustes não se resumem a atualizar tabelas. Sattila Silva, superintendente de Produtos da LG lugar de gente, destaca a importância de testes robustos. “Mudanças em tabelas de tributação sempre trazem risco de inconsistências. Para evitar erros, é preciso atualizar automaticamente, rodar simulações e comparar resultados entre ferramentas”, orienta.
Diego reforça que, no curto prazo, a vida das pequenas empresas ficará mais difícil. Ele justifica apontando, por exemplo, mais custos com consultoria, validação de sistemas e necessidade de acompanhamento de perto. “Só no médio prazo, quando a redução no número de contribuintes for assimilada, haverá simplificação nas rotinas de folha”, estima.
Fornecedores de software sob pressão

A responsabilidade de transformar a lei em cálculos corretos recai sobre os fornecedores de software. Alexandre Eisenmann, diretor da Soft Trade, acredita que sistemas flexíveis estão preparados. “O risco de inconsistência é pequeno, desde que o usuário atualize a tabela. Em nuvem, o processo é ainda mais seguro, porque a atualização é feita centralmente pelo fornecedor”, garante.
Sattila lembra que não se trata apenas de tecnologia, mas também de orientação. “Fornecedores devem assumir a responsabilidade de treinar, apoiar e orientar usuários. Webinários, manuais e consultorias individuais são essenciais para garantir transição sem falhas”, recomenda.
Contexto político e fiscal
Embora a mudança seja positiva para trabalhadores, especialistas lembram que há efeitos macroeconômicos relevantes. “A renúncia fiscal exigirá compensações, possivelmente com aumento de carga em outras frentes. As empresas precisarão acompanhar de perto se os ajustes virão em tributação de dividendos, encargos ou impostos setoriais”, afirma Diego.
Esse pano de fundo reforça a urgência de planejamento: não basta atualizar a folha, é preciso integrar a mudança ao planejamento financeiro e de compliance.
Comunicação e engajamento: a outra face da mudança
Mais do que cálculos, a adaptação depende de comunicação clara. “A SGF Global já prepara materiais simples e visuais para esclarecer os colaboradores. A meta é evitar confusões como a crença de que o ganho é aumento salarial concedido pela empresa”, pondera Heliana.
Para a executiva, o desafio é transformar uma decisão política em fator de engajamento, e não em fonte de expectativas irreais ou distorções.
O que esperar para 2026
A isenção do IR até R$ 5 mil é mais que uma mudança tributária: é um divisor de águas para a gestão de pessoas e de processos empresariais. Exige atenção dos RHs às percepções de equidade, cuidado dos contadores com a precisão dos cálculos e velocidade dos fornecedores de software na atualização dos sistemas.
Mais do que nunca, a capacidade de adaptação vai diferenciar empresas que apenas cumprem a lei daquelas que aproveitam o momento para fortalecer engajamento e confiança.
Dicas rápidas para empresas se adaptarem 1. Atualize sistemas de folha com antecedência Verifique com o fornecedor se a nova fórmula já está configurada. Teste em ambiente de homologação antes da vigência. 2. Reforce a comunicação interna Explique aos colaboradores que o ganho líquido vem de decisão governamental, evitando ruídos sobre supostos aumentos salariais. 3. Preserve benefícios estratégicos Não trate o ganho líquido como desculpa para cortar vale-refeição ou plano de saúde, sob risco de perder engajamento. 4. Oriente gestores de equipes Prepare lideranças para lidar com dúvidas sobre equidade e possíveis pressões salariais. 5. Planeje compliance e prazos Garanta que a folha de janeiro de 2026 já esteja ajustada, evitando multas e problemas no eSocial. |