Gestão

O lado negro da força dos egos

de Betania Tanure em 18 de maio de 2009

Para entender adequadamente o tema deste artigo, é indispensável compreender a relação entre a cultura da empresa e a sustentação da sua posição competitiva. Vou me servir de várias experiências que conheço com profundidade e forjar as características de três organizações: Alfa, Gama e Fama. A Alfa e a Gama são concorrentes ferrenhas há muitos anos. Histórias diferentes, culturas fortes ancoradas em valores distintos. A Alfa é mais ágil, mais individualista, separa o lado pessoal do profissional e trata os conflitos de forma aberta – características muito mais típicas das empresas americanas do que das brasileiras, especialmente as que pertencem a famílias tradicionais. Além disso, é uma organização do tipo money oriented, traço que pavimentou também a modelagem das suas vantagens competitivas.

A Gama construiu sua história de forma diferente. Nela, as vantagens competitivas são sustentadas pela paixão das pessoas pelo negócio, bem como pelas relações, caracterizadas por uma cultura que valoriza grandemente a harmonia, as emoções, o trabalho intenso e na qual um conjunto de pessoas comuns construiu resultados excepcionais.

A duas empresas são muito bem-sucedidas, e tecnicamente não se pode dizer que a cultura de uma é melhor do que a da outra. São diferentes e cada uma tem um jeito próprio de sustentar suas vantagens competitivas de forma articulada com seu modelo de gestão. Já do ponto de vista emocional, as avaliações podem não ser tão positivas. Segundo declarações de pessoas da Alfa, “a cultura da Gama é lenta, burocrática e apaixonada demais. Isso atrapalha”. Por sua vez, na Gama, os comentários são: “Eles são superficiais, decidem sem ter conhecimento das variáveis envolvidas, não têm sentimentos. As pessoas não estão nem aí para a empresa ou para os colegas”.

Em certo momento, a despeito dessas diferenças, as forças competitivas levam as duas a se aliar para formar a Fama. O discurso é que a união de duas vencedoras constrói uma empresa mais forte e – por que não? – imbatível no seu segmento.

Racionalmente, tudo certo com essa união. Mas emocionalmente, se pararmos neste ponto, tudo errado. Por quê? Focadas e atraídas pelas razões estratégicas e pela importância da operação – seja para o mercado de capitais, seja para os acionistas, seja para o ego dos próprios dirigentes do topo -, as pessoas que formulam uma fusão ou aquisição têm o seu tempo sugado na busca da melhor alternativa de modelagem estratégica e de estrutura de capital.

Com isso, não raramente esquecem algo fundamental: do outro lado da avenida há pessoas que, apesar do discurso racionalmente articulado de adesão à nova empresa, no fundo não esqueceram o “inimigo” de tantos anos. Elas irão resistir à “invasão” dos compradores. Mesmo nas ditas fusões, é comum que uma empresa predomine, ao menos no inconsciente daqueles que se negam a dormir serenamente na mesma cama com o “inimigo”.

Os compradores, por sua vez, com os egos inflados por sua posição, não hesitam um minuto em passar, por meio de ações ou do discurso, sua clara mensagem: “Agora é do meu jeito!”

Interessante observar que brilhantes homens de negócio, ao mesmo tempo que decidem sobre questões complexas e traçam estratégias notáveis, parecem não saber – e muitas vezes não sabem mesmo – que “vira uma guerra” entre os gestores e mesmo na base da organização. Mais de 50% dos presidentes que participaram de nossa pesquisa sobre o tema disseram: “O processo de integração acontece naturalmente”. Será ingenuidade ou uma certa arrogância acreditar nisso?

É fato inegável que algumas pessoas boicotam silenciosamente a operação. Quanto maior o orgulho e o amor dos funcionários da empresa comprada, maior a tensão e o descontentamento, ampliados pelo temor de perder a identidade. Essa situação acaba gerando, na maioria das vezes, uma posição defensiva e, em consequência, maior resistência à integração.

Agora é do meu jeito!
Na empresa Gama, como uma das âncoras está no orgulho e no amor que as pessoas têm por ela, é possível acreditar que esse amor será transferido para a nova empresa? Esse fenômeno é perverso do ponto de vista da lógica empresarial, pois sorrateiramente destrói o valor da nova organização. Isso é ainda mais evidente nos casos de F&A em que existe algum processo de take over.

Acreditar que a integração se resolve por si não pode ser ingenuidade de dirigentes tão bem preparados e competentes. Reforço que, muitas vezes, a força dos egos inflados é que impede esses executivos de tratar a questão de forma adequada. De compreender como a cultura de uma empresa sustenta sua história. De identificar quais serão as bases competitivas da nova organização, do ponto de vista dos aspectos racionais e emocionais, que sustentam a relação das pessoas com as organizações.

De se desprender da máxima que corre nas veias dos compradores (“Agora é do meu jeito!”) e escolher um caminho que integre culturas, levando ao sucesso sustentado da operação.

A grande questão que se coloca para as empresas que passam pelo processo de F&A é: o que fazer para que as diferenças culturais sejam fonte de enriquecimento das organizações e contribuam para agregar valor ao negócio, e não o contrário?

As alternativas são várias. Pode predominar o jeito da compradora, mediante uma estratégia de integração que chamamos de assimilação, ou o da comprada, na assimilação reversa, ou cada empresa manter as suas características (pluralidade). Também é possível encontrar uma nova forma de ser (transformação) ou combinar as duas (mescla). Esta última estratégia de integração cultural, a mescla, é a mais comum no discurso das grandes operações de consolidação, embora seja uma das mais raras na prática.

Um grande passo para melhor gestão dos processos de F&A é a preparação dos “donos”, tanto os da compradora quanto os da vendedora. É preciso unir forças e sensibilizar ambas as partes para obter a dinâmica necessária ao processo, em todos os seus estágios e considerando os desafios naturais. Não é possível imaginar que não existirão sentimentos nem, muitas vezes, diferenças de performance entre as empresas envolvidas na operação. Mas, com o aumento da consciência do processo por ambas, é possível para cada uma compreender melhor algumas ações ou reações próprias da outra parte, o que, com certeza, favorece o gerenciamento da situação.

Então, é possível construir uma história diferente? Claro! Em síntese, basta compreender as forças e fraquezas de cada cultura, o que não é evidente para boa parte das organizações; controlar o ego, que impõe uma posição de superioridade que desqualifica o outro; e, finalmente, construir as bases para que a Fama seja de fato uma empresa com maior valor do que a Alfa e a Gama somadas.

Certamente, é preciso muita inspiração e muita transpiração para chegar a isso, especialmente no que se refere ao devido manejo do ego daqueles que se acham os grandes vencedores do processo.

Betania Tanure é professora da PUC-Minas e da Fundação Dom Cabral e membro do Conselho Consultivo do CONARH 2009

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