Gestão

Olhar mais perto para ver mais longe

de Marta Elvira* em 27 de setembro de 2010

Na esteira de tantas demissões em massa, cortes de despesas e outras ações drásticas, as empresas estão descobrindo como sai caro manter o compromisso e a produtividade de seus funcionários. Essas medidas podem resultar em falta de motivação, fuga de talentos e fim do ambiente de camaradagem. Mudar essa situação leva tempo, mas é possível, desde que os responsáveis pelos recursos humanos adotem um ponto de vista mais humanístico e de prazo mais longo.

Temos exemplos de empresas de sucesso que operam em ambientes permanentemente turbulentos, como a América Latina. Nessas áreas, as desvantagens institucionais forçaram as empresas a voltar seu foco para o desenvolvimento humano e a formar talentos para poderem sobreviver no longo prazo. Na ausência de governos ou sistemas estáveis como previdência social e ensino público, as empresas assumem papeis decisivos.

Na Colômbia, por exemplo, empresas como a Indupalma e a Hocol criaram infraestruturas para chegar a regiões sem desenvolvimento e oferecer educação a seus funcionários. No México, companhias como a CompuSoluciones contribuem decisivamente para a formação de especialistas em tecnologia
.
Ao contrário do que ocorreu com ações de fachada de multinacionais norte-americanas e europeias, essas organizações latino-americanas fizeram por merecer suas licenças de operação. Desenvolveram mercados onde não havia nenhum antes, reconhecendo que seus funcionários, com suas famílias, comunidades e regiões, são seus personagens de maior valor. Esses personagens podem ser menos óbvios que os acionistas, mas não são menos vitais para a sobrevivência da empresa quando surgem dificuldades mais sérias.
Convencidas dessa lógica, essas corporações puseram em prática políticas humanísticas de gestão de talentos, gerando círculos virtuosos que se irradiam como ondas de choque. Os investimentos feitos por elas em capital humano e social preparam o terreno para o desenvolvimento econômico de toda uma região, fomentando o surgimento de novos negócios e indústrias, que enriquecerão no futuro a economia local. Além disso, essas empresas ganham um ativo invejável: equipes compromissadas e bem
treinadas, com índices de rotação bem inferiores às médias de seus setores.

Mas como se consegue isso? Por meio de uma combinação de objetivos explícitos e estratégicos, colocados de maneira eficiente e permeando em cascata toda a organização, monitorados por sistemas de gerenciamento efetivo. A isso se unem benefícios para os funcionários, capazes de refletir uma preocupação genuína pelas pessoas que formam a empresa e seu meio ambiente imediato.

Cobertura de saúde para as famílias deve fazer parte do contrato do empregado e empréstimos destinados à educação superior dos filhos devem ser incluídos no pacote de pagamento. Oferecer benefícios como esses estabelece um contrato psicológico entre os funcionários e a empresa, criando um laço muito mais forte do que qualquer contrato estabelecendo apenas a mera troca de produção pelo pagamento. Se houver esse tipo de elo, quando os tempos ruins chegarem os funcionários terão a confiança de que a empresa fará o melhor para não demiti-los e a organização terá condições de pedir à sua força de trabalho aquele esforço extra para derrotar a crise. Quando há confiança mútua, as empresas terão alguma flexibilidade para ajustar suas práticas de acordo com as circunstâncias.

Há quem argumente que essas estratégias funcionam bem apenas em tempos de prosperidade. Em períodos de crise, dizem, a forma mais rápida de cortar custos é dispensar os funcionários que possam ser substituídos por pessoal terceirizado e não se deixar amarrar por eles. O mais rápido, porém, não é necessariamente o mais sustentável. Pesquisas minhas e de muitos outros estudiosos mostram que empresas cujos compromissos com as pessoas são mantidos saem das crises em muito melhor forma.

Felizmente, algumas multinacionais estão usando com bons resultados o mesmo tipo de gerenciamento de RH a longo prazo praticado por empresas da América Latina. Uma delas, a empresa de softwares baseada nos EUA, a SAS, reafirmou sua política de investir em pessoas em 2009 e, apesar da crise econômica, encerrou o ano com lucro recorde e uma força de trabalho ainda mais compromissada. Como o CEO Jim Goodnight gosta de dizer, “meus principais ativos saem diariamente pelos portões; meu trabalho é garantir que voltem”.

Mais empresas começam a “olhar mais perto para ver mais longe” e passam a compreender que o sucesso pertence aos capazes de combinar objetivos de mercado com um desenvolvimento humanístico e a longo prazo das pessoas. 

*Marta Elvira é professora do departamento de gestão de pessoas nas organizações do IESE Business School

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