Na missão de equilibrar elementos tão distintos quanto performance e bem-estar nas organizações, o setor de RH enfrenta diariamente um dilema quase filosófico: como potencializar o que as pessoas têm de melhor em ambientes que reprimem a inovação e o crescimento pessoal? Muitas vezes, quando a cultura organizacional é excessivamente orientada para resultados, há o risco iminente de ela se tornar tóxica na ausência de uma gestão mais vigilante. O problema é que a pressão por resultados também invade o espaço do RH, atando-o a centenas de processos e operações, em vez de permitir que ele exerça seu principal papel, o de agente transformador.
“O RH precisa estar no centro do debate, colocando as pessoas sempre em evidência”, crava Leandra Godinho, mentora de carreira e especialista em recolocação profissional 40+. Além de sua experiência em RH, ela acumula a função primordial de mãe, o que lhe proporciona uma perspectiva valiosa sobre a importância do bem-estar e da empatia no ambiente corporativo. Divorciada, Leandra teve que recomeçar do zero quando deixou São Paulo para retornar à sua cidade natal, Curitiba. Mas assumir um cargo de gestão que consumiria o seu dia quase que inteiramente, enquanto cuidava de um filho pequeno, seria um desafio sem precedentes, ainda mais sem uma rede de apoio – sobretudo dentro do trabalho.
Por isso, como profissional da área, ela considera fundamental que as organizações ouçam e se dediquem às necessidades das pessoas. Um processo de escuta que também precisa acontecer internamente, dentro do próprio RH, para que esses profissionais se sintam acolhidos ao final do expediente. “Mesmo quando a vida não está legal e o ambiente de trabalho não ajuda, precisamos estar presentes na vida dos colaboradores”, pontua Leandra, citando ainda que essa dinâmica exige jogo de cintura por parte do RH.
Equilibrando a balança
Embora a busca por resultados faça parte da estratégia de negócio de qualquer empresa, a verdadeira “virada de chave rumo à inovação” acontece quando o RH consegue equilibrar as metas com a valorização de seu capital humano. O resultado é um ambiente mais saudável e produtivo, tanto do lado do profissional de RH quanto para os demais colaboradores.
Mas uma cultura que prioriza o bem-estar das pessoas e a inovação não surge apenas pela vontade do RH. Quem está no topo precisa compreender o valor de investir em “gente”, não apenas como uma questão moral, mas como uma estratégia essencial para impulsionar a inovação e a produtividade. “O CEO precisa entender que o RH não é só folha de pagamento; ele é um setor estratégico e, por isso, precisa do apoio de quem está lá em cima. Quando a liderança compreende quais são os efeitos que uma pessoa mais feliz pode gerar na empresa, torna-se mais propensa a promover mudanças que priorizem o bem-estar dela”, reflete a especialista. E complementa: “o mentor por trás disso tudo é o RH”.
Desafios do RH em tempos de pressão
A especialista em recrutamento e seleção Andréa Greco, autora do livro “Conecte-se” sobre a importância do networking para gerar bons negócios (atualmente em pré-venda), destaca os principais desafios enfrentados pelas equipes de RH diante da pressão por resultados e a busca por bem-estar e inovação. Equilibrar demandas da alta administração e dos colaboradores, gerenciar expectativas, lidar com pressão interna, desenvolver estratégias de engajamento e retenção, acompanhar mudanças no mercado e promover o próprio desenvolvimento profissional são alguns deles.
Quando esses desafios são superados, os resultados se tornam evidentes para toda a organização. Os colaboradores ficam mais engajados, o que leva a uma maior produtividade e a uma redução no absenteísmo por doenças. Além disso, o bem-estar geral estimula a inovação e o trabalho em equipe (dentro e fora do RH), contribuindo para a reputação da empresa em seu ecossistema. Não por acaso, a especialista reforça que o RH é um parceiro estratégico para o negócio. “Sua atuação é fundamental para atrair, reter e desenvolver talentos, impulsionando a competitividade da empresa no mercado”, complementa.
Mas nada disso é possível sem uma estratégia focada no bem-estar das pessoas, principalmente em um contexto de alta pressão por resultados. Para gerenciar o estresse e a ansiedade dos colaboradores, o RH tem apostado em algumas soluções, como criar uma cultura de apoio, oferecer programas de saúde mental, implementar políticas flexíveis de trabalho, promover o desenvolvimento profissional e adotar medidas para prevenir o burnout. Para Andréa, esse movimento reflete uma preocupação crescente das organizações em criar ambientes de trabalho positivos que estimulem a inovação, sem negligenciar os resultados. “Ao implementar as iniciativas certas, o RH pode, sim, impulsionar o bem-estar dos colaboradores, aumentando o engajamento, a inovação e os resultados da empresa.”
Bem-estar, RH e inovação
Uma organização com colaboradores desengajados pode enfrentar situações bastante complexas, como altos índices de turnover, afastamentos frequentes e baixa produtividade. “Culturas opressoras geram medo, inibem talentos e desestimulam resultados de alta performance”, resume Carlos Augusto Junior, diretor de Pessoas e Comunicação da Atlas Schindler, empresa líder em transporte vertical presente no Brasil há 106 anos.
Na sua visão, a inovação só prospera em ambientes onde os colaboradores se sintam incentivados a executar suas atividades, expor suas ideias e se expressar livremente. “Para atingir resultados sustentáveis, é indispensável investir e pensar nas experiências das pessoas. Considerá-las como parte essencial desta jornada de crescimento estimula a retenção, a criatividade, o engajamento e o comprometimento com impacto direto no longo prazo”, afirma.
Nesse contexto, ele acredita que a área de Recursos Humanos deve ser a porta-voz dos colaboradores, desafiando os times a saírem de sua zona de conforto e se aperfeiçoarem. Quando o bem-estar é priorizado, significa que o RH está fazendo a diferença, atuando como um guardião da cultura organizacional, numa posição que transcende as atividades administrativas e operacionais. A inovação depende disso para florescer. “Cabe ao RH acompanhar as tendências e movimentos de mercado, entendendo como desenvolver as competências não somente do presente, mas as antecipatórias do futuro”, observa Carlos.
Antecipando o futuro
Por ter uma visão mais abrangente da empresa, o RH pode utilizar esse conhecimento para motivar as pessoas e prepará-las para momentos de transformação, reconhecendo e desenvolvendo suas competências. A antecipação de tendências implica em melhorias na comunicação, no suporte aos colaboradores e na facilitação para que todos possam assimilar os impactos de forma eficaz, especialmente em ambientes de grande complexidade.
Na Atlas Schindler, Carlos destaca que a priorização do bem-estar, em meio às metas, é parte fundamental da cultura e um princípio central do RH, que orienta os programas internos da empresa. São exemplos disso o PDS (Performance e Desenvolvimento na Schindler), programa que alinha objetivos, expectativas e competências dos colaboradores com os da organização; e o Eleve-se, um canal de atendimento humanizado que oferece suporte profissional aos times e suas famílias em áreas como emocional, financeira, jurídica e de saúde. Segundo ele, o respeito e o cuidado são elementos fundamentais da cultura da organização, estando presentes tanto em iniciativas voltadas ao bem-estar, quanto às relacionadas a resultados.
Mas, afinal, é possível equilibrar a busca por resultados com a promoção de bem-estar pelo RH? Para a especialista em RH, Andréa Greco, a reposta é sim. “Na verdade, um ambiente de trabalho saudável e equilibrado muitas vezes leva a resultados mais sustentáveis e de maior qualidade a longo prazo. Uma cultura que prioriza resultados não precisa ser opressora”, explica. A fórmula não tem segredo: basta equilibrar os objetivos organizacionais com o apoio e respeito aos indivíduos.
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