Diversidade

Além dos números e vitrines

Inclusão deve ser intencional, consistente e alicerçada em propósito, não somente em resultados ou metas afirmativas do mercado, entendem líderes de RH e especialistas

Algumas expressões relevantes no movimento da inclusão e da diversidade, como “nada sobre nós sem nós”, de Marta Russell, escritora norte-americana  e ativista dos direitos da pessoa com deficiência, e “diversidade é convidar para a festa e inclusão é chamar para dançar”, atribuída a Vernã Myers, VP de Estratégia de Inclusão da Netflix, tratam de questões que constituem verdadeiros obstáculos para tornar as companhias mais diversas. 

São frases que, no ambiente organizacional, dizem respeito a implementar a representatividade e a escuta dos grupos minorizados e a aprofundar alguns degraus além das contratações afirmativas, oferecendo oportunidades reais de desenvolvimento aos contratados. São dizeres que se somam a outra barreira ainda maior, como a  dificuldade de as organizações entenderem e assumirem sua responsabilidade enquanto instituições capazes de promover transformações sociais.

Esses desafios foram discutidos em junho, em um encontro fechado promovido pela Plataforma Melhor RH entre integrantes de seu conselho editorial – líderes de RH e especialistas do tema.

Provocações necessárias

Jorgele Lemos, consultora: inclusão é o certo a ser feito

“Nós trabalhamos com o que incomoda”, diz Jorgete Lemos, Consultora Organizacional, CEO da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços, sobre uma das razões para que tantas empresas estejam, ainda, engatinhando sobre o tema no País. Isso uma vez que é preciso se deparar com a pobreza, o racismo e outras deficiências estruturais da sociedade, em um cenário de “agressividade e insegurança social” contra os públicos minorizados, entende a especialista.

Para a executiva, é preciso mudar o discurso para disseminar a urgência da causa. “Dizer que diversidade traz resultados e é bom para nós é o ‘óbvio ululante’. O que é preciso saber é que isso é o certo a ser feito, e entender por que ainda não é feito pelas empresas”, ressalta Jorgete. “O jovem não aceita mais ir para aquela empresa que vê a diversidade como algo bom para o negócio, para o resultado financeiro. Ele não é negócio, ele não é coisa.” Nas conversas sobre o tema junto ao board da empresa, o argumento deve ser o propósito e não somente o peso financeiro da inclusão, acredita Jorgete. 

Por lideranças que incluem

“É óbvio que a diversidade tem resultado, que colabora, mas a gente precisa falar que é preciso respeitar”, concorda Patricia Alexandre, Consultora de RH na QSA Assessoria Empresarial.  “Agora, eles [jovens] procuram propósitos. Então não adianta dizer que você é todo certinho, porque eles te dão o diagnóstico correto em 15 dias”, converge a executiva sobre a necessidade de incluir e diversificar porque é necessário e não apenas para ter resultados, ou o que dizer nos relatórios de marketing, para os investidores ou sobre a marca empregadora.   

Com relação à inclusão racial, Patrícia é ainda mais enfática.  “É ter para dizer que tem, para botar na capa da revista”, entende a executiva, sobre algumas empresas que praticam social washing (justamente a prática de enaltecer, para além da realidade que eles representam, os programas de diversidade e inclusão das companhias). “Então, você tem um monte de empresas, das 500 melhores, das 100 melhores, com meia dúzia de pessoas [do público minorizado]. Infelizmente estão contratando pessoas pretas a preço de ouro, botam lá para ficar bonito, mas não fazem a inclusão”, relata.

Ainda sobre inclusão racial, a executiva, egressa do mercado publicitário, menciona sua própria dificuldade de alçar a um cargo de liderança no setor, por ser uma mulher preta, e comenta um problema comum ao tratar sobre diversidade e inclusão, citando como exemplo uma agência de publicidade constituída de profissionais pretos, a Gana.

Patricia Alexandre, da QSA: não ao social washing

“Os clientes contratam essa agência para falar de diversidade, sobre como é implantada, e não é isso. A agência é formada por profissionais pretos, mas eles não falam só de diversidade, eles falam de tudo, as pessoas confundem”, relata, sobre o que se reproduz em outros contextos e setores, responsabilizando exclusivamente os públicos minorizados sobre o letramento do tema. Ou, ainda, desconsiderando sua capacidade de contribuir para outras pautas.

A executiva destaca a importância de uma liderança representativa, ou capaz de verdadeiramente incluir, sob o entendimento de que uma empresa diversa é feita de gente que inclui e que é incluída, não de números, relatórios, certificações ou reportagens sobre suas contratações afirmativas.  “Quando a gente fala das empresas, quem são elas? Empresa não fala, CNPJ não anda, CNPJ não respira. Quem respira é quem está sentado lá no topo”, ressalta.

Do topo ou da base?

Para Sheila Ceglio, Diretora de RH na Pfizer, o movimento de inclusão, com conscientização e metas afirmativas, deve ser simultâneo, a partir da liderança e entre as bases. Principalmente no que diz respeito à pauta racial. “É um trabalho de formiguinha e as coisas têm que andar juntas, porque se também não vêm de cima, ninguém se mexe pra fazer”, destaca a executiva.

“Na Pfizer, a coisa só começou a andar com o tema racial quando contratamos o primeiro executivo sênior, o primeiro diretor negro. Enquanto esse líder não estava lá, as ações e iniciativas tinham um ritmo diferente, falávamos do assunto mas as ações não tinham a mesma força e impacto”, lembra Sheila.

Sheila Ceglio, da Pfizer: é preciso desenvolver talentos “da casa”

“A gente tinha 17% de população preta. Onde estavam essas pessoas? Quando a gente começou a ouvi-las (a gente começou a fazer rodas de conversa com elas e com os líderes), havia tanto incômodo, que motivou um programa de aceleração para colegas pretos que estão lá dentro”, conta Sheila, sobre uma das principais demandas identificadas nos encontros.

“Não adianta ficar contratando um monte de gente, se você não cuida de quem tá lá dentro”, comenta, sobre programas de contratação sob metas de diversidade para os cargos mais altos, que dão oportunidades às novas lideranças diversas, mas não oportunizam o desenvolvimento de quem está na empresa.

Sobre essas falhas que ocorrem nos processos de inclusão, “acho que a gente tem de fazer o que dá, com as alavancas, e às vezes dá certo, às vezes não dá. Mas se não deu certo, dar a cara pra bater e fazer de novo. Porque se não for assim, a gente não vai evoluir”, entende Sheila. Sua visão se estende sobre todos os pilares de diversidade: étnico, de gênero, classes econômicas e pessoas com deficiência.

Incluir exige sempre, segundo a executiva, abrir mão de alguns requisitos nas contratações. Não é possível comparar, por exemplo, bagagens e formações de grupos minorizados com as dos homens e mulheres brancos, héteros, cis, classe média, sem deficiência, que são os públicos com mais acesso à universidade e outras oportunidades educacionais e culturais. “Se for para comparar, a gente nunca vai fazer [a inclusão]. Não se compara uma coisa que durante séculos foi diferente. Para a gente comparar daqui a alguns anos, a gente ainda precisa fazer um esforço como organização”, entende Sheila.

Profissionalização ajuda

Para Guilherme do Nascimento,  Especialista em Diversidade & Inclusão na Volkswagen Brasil, “ação sem intenção não tem sentido algum”. É preciso de fato mobilizar para a escuta e a conscientização, ao mesmo tempo em que se ativa o tema nas empresas. Mas, para o executivo, também é preciso investir e profissionalizar a gestão da área, o que, em sua opinião, acelera todo o processo de inclusão nas companhias, fazendo uma mescla do “institucional e do cultural” em ação.

“Desde o momento que a empresa investiu em profissionalizar a função de diversidade e inclusão, transformando o que pra mim era mais uma atividade, dentre tantas outras, entre pesquisa de clima, entre atividades de cultura, para colocar uma posição na companhia, visualizada como posição de liderança e com visibilidade e capilaridade, começamos a dialogar com mais presença dentro dos ambientes que tomam a decisão”, conta Nascimento. 

Guilherme do Nascimento, da Volks: profissionalismo, intencionalidade e metas

O executivo entende que a institucionalização do movimento na empresa incute a responsabilidade em todos os públicos. “Para mim, hoje, do meu lugar de fala de homem branco e gay, é também uma prioridade expandir minha visão sobre os demais grupos minorizados e agir de maneira interseccional, eu tenho responsabilidade nisso, eu preciso dialogar e aprender sobre isso, mas acima de tudo, potencializar as vozes dos demais grupos presentes em nossa empresa, esse é meu maior propósito”, observa.

“Não podemos assumir que as pessoas de grupos minorizados sejam as nossas enciclopédias de diversidade & inclusão e assumir que elas têm obrigação de nos ensinar, por exemplo. A gente tem que se letrar, buscar conhecimento e, principalmente, como lideranças, dialogar com escuta ativa de modo a entender outras perspectivas e pontos de partida que não os seus. E acho que a área de diversidade e inclusão cumpre com esse papel, de provocar esses letramentos, de provocar as lideranças e o meio empresarial de que nós temos a obrigação institucional de agir intencionalmente para realizar reparações históricas.”


A questão das lideranças inclusivas ainda é uma lacuna nas empresas, que essa área institucionalizada de diversidade e inclusão pode acelerar o preenchimento, segundo o executivo.  “Conforme a gente vai subindo, vai vendo um apagamento em todos os marcadores sociais, não só no marcador étnico, racial, mas no quesito LGBTQIAPN+, no quesito de pessoas com deficiência e demais marcadores sociais” , observa. “A gente começa a quebrar crenças limitantes e vieses cognitivos com representatividade. É assim que funciona: com intencionalidade e metas.” 

Não menos importante é, ainda, a questão da geracionalidade. “Não importa se sejamos gays, sejamos pretos, pardos, pessoas com deficiência e de gêneros opostos, a idade vai nos atravessar”, observa, sobre a necessidade de alocar públicos de diversas gerações no quadro de pessoas colaboradoras e com oportunidades equitativas de desenvolvimento.

Nascimento chama a atenção para a responsabilidade das companhias no processo de transformação social, “até que se tenha um nível adequado de representatividade em posições de liderança, em posições técnicas, em posições acadêmicas, em outras posições que não sejam só as posições de base, para que as pessoas dos grupos minorizados não fiquem escondidas e possam se ver representadas em posições de decisão”. E cita questões estruturais de acessibilidade à educação e de mobilidade urbana, além do racismo estrutural, como problemas que devem ser reparados pelos processos de inclusão das organizações. “Não dá para a gente ir contra fatos, a gente tem que reconhecer e entender, conhecer os fatos históricos que nos levaram até onde a gente chegou”, entende o executivo.

Responsabilidade histórica

Thiago Dotto, da JTI: envolvimento das novas gerações

Thiago Dotto, Diretor de Pessoas e Cultura na JTI, analisa a história da diversidade, equidade e inclusão nas empresas em relação à conscientização de lideranças e colaboradores. Ao longo dos anos o tema têm evoluído, passando pelas fases de “modismo”, “ necessidade” e atualmente entendido como estratégico. Para o executivo a jornada para a plena diversidade, equidade e inclusão é desafiadora e entende que ações multidisciplinares são necessárias. Garantir prioridade e apostar no engajamento das novas gerações e futuros líderes é um dos caminhos possíveis. “Alguns, como eu, estão aqui para plantar sementes, para que o cenário seja melhor no futuro”, explica o executivo.

Lívia Friseira, Gerente de Sustentabilidade na Faber Castell chama a atenção para a responsabilidade histórica das empresas no desequilíbrio econômico e ambiental e para o papel de uma organização, hoje, na sociedade quanto a isso. “É preciso olhar para o  capitalismo desenfreado, desde a Revolução Industrial, ver o quanto as empresas, nesse desenvolvimento econômico, foram impulsionando tudo isso, sempre focando na geração de lucro e não considerando meio ambiente, comunidade e a sociedade como um todo”, lembra a executiva.

Livia Friseira, da Faber-Castell: responsabilidade por transformações sociais

Com um olhar transversal sobre a companhia, Lívia não dissocia a sustentabilidade de temas sociais nas empresas. E entende que o olhar não pode ser pontual sobre cenários que considera ser responsabilidade das organizações. ”Se a gente busca o impacto, a transformação, não adianta a gente apenas focar em projetos sociais, porque a mudança vem quando a empresa usa o seu poder para corrigir os desequilíbrios”, destaca. “Se uma empresa tem 10 mil colaboradores e se promove a mudança ali, se você conseguiu passar a mensagem, veja quantas pessoas foi capaz de influenciar.”

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