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É preciso trocar a lente da empregabilidade

Novos modelos de seleção para quem busca o primeiro emprego podem reduzir gap acadêmico e profissional entre jovens de baixa renda

de Rodrigo Dib em 24 de março de 2022
Drobotdean/ Freepik.com

O mundo está mudando cada vez mais rápido e isso já não é mais novidade há algum tempo. O mercado de trabalho acompanha esta velocidade na criação de novas vagas, demandas e perfis. O que, muitas vezes, não acompanha todo este movimento é a formação do profissional para ocupar este lugar. Por conta disso, apesar de o Brasil hoje contar com mais de 14 milhões de desempregados, muitas empresas não estão conseguindo encontrar profissionais capacitados para ocupá-las, criando um novo gap.

Mas então, será que só o jovem que procura emprego precisa se adaptar a esta nova realidade, ou as empresas, com modelos antigos e muitas vezes engessados na gestão de RH, acabam por tornar seus processos restritos? 

É preciso mudar o paradigma das empresas na hora da contratação profissional, trocar a lente. Com tantas exigências, termos classificatórios e claramente eliminatórios na busca por novos talentos, a busca mal começa e encontra a primeira barreira para a maioria: a avaliação curricular. Se o candidato não tiver estudado em uma boa escola ou universidade, suas chances caem drasticamente. Além disso, para sobreviver e se destacar atualmente, além dos conhecimentos técnicos, é necessário que os profissionais apresentem ou desenvolvam algumas competências comportamentais, as famosas “soft skills”. 

Proponho aqui um exercício para isso. Vamos tentar enxergar além, ler, nas entrelinhas, o que milhares de jovens de baixa renda, desempregados ou sem oportunidades, trazem na bagagem e que não está sendo levado em consideração.

Para embasar, vou apontar aqui as competências comportamentais mais solicitadas nos dias de hoje: adaptabilidade, autoconhecimento, capacidade de negociação, colaboração, comprometimento, pensamento crítico, proatividade, resiliência e resolução de problemas complexos. Falarei sobre quatro delas: colaboração, comprometimento, proatividade e resiliência. Estas são, eu acredito, uma chave importante para esta juventude se destacar e mostrar o seu valor. 

Antes de mais nada, vamos às definições:

Colaboração: que, na Galena, edtech que criei com meus sócios, definimos como: o jovem que trabalha em times, recebe devolutivas e colabora com os interesses dos seus pares e da empresa; 

Comprometimento: definimos como habilidades relacionadas à capacidade do jovem de assumir responsabilidades por suas entregas, cumprindo prazos e combinados.

Proatividade: a capacidade de o jovem desenvolver suas atividades de forma proativa e com autonomia, aprendendo a lidar com a rotina e desafios do dia a dia;

Resiliência: poderia ser definida como a capacidade de manter o equilíbrio e a vontade mesmo diante de situações adversas, transformando frustrações em experiências de aprendizagem e crescimento. 

Agora pergunto: um jovem que a vida inteira teve que se virar, nasceu em um contexto em que foi privado de várias coisas, correu atrás a vida toda fazendo bicos nos arredores, cuidando de crianças como babá, em trabalhos informais nos finais de semana; aprendendo a ir e voltar sozinho para onde for (muitos até super novos, mas pela mãe e pai trabalharem muito o dia todo, e não terem com quem deixar, tiveram que aprender a se virar sozinhos desde cedo). Estes que passam horas e horas em transporte público para chegar aonde precisam; por, muitas vezes, com uma rotina de apoio diário em casa, para ajudar a família e os irmãos. Aquele jovem que não tem condições financeiras para ir atrás de cursos pagos e por isso se inscreve em cursos de ONGs, de bairro, estuda sozinho inglês por aplicativos gratuitos, para o ENEM sem cursinho, mas na raça pela internet, que vive a sua vida toda privado da maioria das coisas, fazendo conta no lápis para ver se terá dinheiro para o básico. Este baita parágrafo, cheio de adjetivos e situações não te lembra as tais COMPETÊNCIAS COMPORTAMENTAIS?

E aquele jovem que desde cedo apoia a sua família fazendo bico na feira, que acorda às 3h da manhã, pega condução e vai montar barraca, organizar os produtos e às 6h está lá, com sorriso no rosto, fala alta e alegre para atrair os clientes e, quando ocorre a venda, é rápido e preciso no troco, sem perder a simpatia. Você lê ” COLABORAÇÃO”, “COMPROMETIMENTO” e “RESILIÊNCIA” aqui?

E o outro que ajuda seu pai como auxiliar de pedreiro, carregando peso, organizando materiais, colocando tijolo por tijolo com todo cuidado. Tem também aquele que, por uns trocados, entrega panfletos na rua, atua em alguma vendinha do seu comércio local como atendente ou até já conseguiu uma oportunidade melhor de call center … você vê “COMPROMETIMENTO” aqui?

Pois é, mas não é este “de/para” natural que é feito e, por isso, no “jogo da empregabilidade moderna”, estas novas competências muitas vezes não são vistas pelos profissionais de RH quando pensam em um jovem vulnerável. Logo o enxergam como ele próprio muitas vezes se vê: o colocam mais para baixo ainda, por muitas vezes sinalizando que “não tem currículo e nem experiência” quando, na verdade, deveriam utilizar sua bagagem pessoal como um absoluto empoderamento e fazê-lo acreditar nisso como fortaleza na conquista de novas oportunidades.

Ou ainda vamos discutir resiliência no trabalho com uma pessoa que, desde criança, as 24 horas de seu dia são feitas disso, em cada minuto? Sério mesmo?

Você vai questionar colaboração com um jovem que desde cedo é a matriz de sustentação da sua casa, ajudando pai, mãe e irmãos, fazendo tudo andar?

Enfim, é importante quebrarmos paradigmas e endereçarmos novos “de/paras” entre o que é exigido e o que a experiência de cada candidato traz, aquilo que ele viveu, sempre de forma positiva, olhando para o seu protagonismo e nunca para o vitimismo. 

Foi-se o tempo que habilidades poderosas para se dar bem no mercado de trabalho eram apenas aquelas adquiridas dentro dos melhores cursos. Se os gestores de RH se abrirem para estes profissionais, procurarem fazer conexões com as habilidades esperadas e o que este jovem viveu, eu garanto, conhecerão ótimos profissionais. Eles podem não ter estudado nas melhores escolas e nem ter experiência formal, mas vale muito a aposta em um jovem que teve que batalhar por cada dia vivido até chegar à sua frente. 

É preciso mudar. E rápido. Mais rápido do que o mundo anda mudando. 

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Rodrigo Dib

Superintendente Institucional do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE e especialista em empregabilidade jovem