Artigo

Ecologia da tolerância

de Eugenio Mussak em 13 de julho de 2016

As pessoas e as próprias empresas deveriam pensar mais nisso

Durante a Guerra Fria, período que perdurou entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim, a instabilidade gerada pela polarização entre o poder dos Estados Unidos e o da União Soviética, o mundo vivia, segundo os órgãos de inteligência, um período volátil, incerto, complexo e ambíguo. Daí nasce a expressão VUCA, que passou a ser utilizada no mundo empresarial a partir do livro Líderes que fazem o futuro, de Bob Johansen, em 2009.

A Grã-Bretanha acaba de decidir, a partir de plebiscito popular, deixar de ser parte da União Europeia, e esse é apenas um fato a reforçar o conceito VUCA. O impacto na economia do mundo e na sociologia da Europa só será convenientemente analisado com o passar do tempo. Um bom período de acomodação está apenas começando.

Observando esse fato, que é uma mudança significativa no mundo, não posso deixar de relacioná-lo com a infinidade de micromudanças que vejo acontecerem todos os dias no mundo corporativo. Alguns chegam a classificar como intolerável viver em tal instabilidade, o que me fez lembrar um conceito que aprendi quando estudava biologia, há muito tempo, e que hoje faz sentido como nunca, pois se refere à ecologia da tolerância, e tem uma incrível aplicação à vida profissional e aos negócios.

Foi o biólogo Victor Shelford que criou tal conceito e lhe deu o nome de “Princípio dos Limites de Tolerância”. Ele partiu da observação de que, na natureza livre, alguns animais conseguem viver entre limites de tolerância muito amplos, enquanto outros apresentam pequena resistência às mudanças ambientais.

Vejamos o exemplo de duas espécies de peixes e seu comportamento quanto às variações de temperatura. O Trematomus vive no Ártico, em águas geladas, e não suporta variações térmicas maiores de quatro graus centígrados. Ele se dá bem entre -2ºC e +2ºC. Fora dessa faixa, para mais ou para menos, ele morre. Já o peixe Cyprinodon, que habita lagos existentes em alguns desertos, cuja temperatura oscila entre 10ºC e 40ºC, enfrenta essa variação sem alterar sua biologia e seu comportamento. Em ecologia, utilizam-se os prefixos esteno-, que significa “estreito”, e euri-, cujo sentido é “largo”, para designar esses dois tipos de indivíduos. O peixe do Ártico é um estenotérmico, enquanto o do deserto é um euritérmico. Outras características ambientais também influem. O salmão, por exemplo, é um eurialino, porque suporta grandes variações de salinidade da água, e por isso consegue viver no mar e na água doce. Já um lambari é estenoalino, pois só consegue viver em água doce. Também existem os estenoídricos e euriídricos (em relação à água), estenofágicos e eurifágicos (em relação à alimentação), estenobáricos e euribáricos (em relação à pressão) e assim por diante.

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O que isso tem a ver conosco, humanos do século 21? Tudo. As pessoas, no ambiente profissional, bem como as empresas, também são assim. Alguns toleram as mudanças, cada vez mais constantes, e outros não. Há pouco espaço para o estenoprofissional. É hora do euriprofissional, aquele que assimila as mudanças, as oscilações, os golpes do mundo VUCA, e vive bem, transitando entre os extremos, que são a marca registrada de nosso tempo.

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