Entrevista

Mulheres em cargos C-level: qual a dificuldade?

Executiva com passagem por grupos como Carrefour, Avon e Vivara, Liris Gonçalves enumera desafios, aprendizados e oportunidades na carreira de mulheres logo após a maternidade

de Jussara Goyano em 3 de novembro de 2022

Liris Gonçalves é mãe, mentora de executivos e trilhou uma carreira de sucesso nacional e internacional como executiva de empresas como Carrefour, Vivara, Avon e C&A. Cerca de 300 profissionais passaram pela sua mentoria, incluindo mulheres que em algum momento enfrentaram desafios para permanecer ou crescer na carreira, chegando a um cargo C-level, após a maternidade. Em entrevista exclusiva à Plataforma Melhor RH, ela revela os principais desafios femininos nessa jornada de crescimento, incluindo sua própria experiência.

Liris Gonçalves, mentora: preconceito estrutural em relação à maternidade é uma das causas que emperram a carreira até o c-level

Quais os principais medos ou dificuldades para a mulher voltar ao trabalho após a licença maternidade? Isso se torna um empecilho para que cheguem aos cargos C-level?
Após 2 anos, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade não está mais no mercado de trabalho, de acordo com o estudo da FGV – Fundação Getúlio Vargas. Os motivos podem ser desde a real dificuldade de conciliar a maternidade com o trabalho, até a renúncia espontânea por não conseguirem, ou até mesmo desejam conciliar carreira com maternidade. A maternidade é um tsunami na vida do casal, e ainda maior na vida da mãe. Cientes dos desafios de conciliar a vida profissional e a maternidade, 47% da amostra da pesquisa, renunciaram às oportunidades de promoção em sua própria empresa ou em outras organizações, porque sabiam das dificuldades para conciliar a rotina de casa com as demandas que a oportunidade exigia.

Tenho amigas executivas que desaceleraram ou renunciaram suas carreiras. Isto afeta diretamente a chegada de mulheres a C-Level, pois apenas uma pequena parte decide, ou consegue, prosseguir com força e foco na carreira executiva.

Não se trata de serem menos capacitadas, muito pelo contrário, e sim de sobrecarga de atribuições e jornada dupla de “trabalho”, ou como mencionei, escolha pessoal para focar na maternidade. Sem falar do próprio preconceito estrutural em relação à maternidade, que infelizmente não é exclusivamente por parte dos homens, como pude presenciar várias vezes dentro do próprio RH das empresas e nas lideranças.
A cada dia esta mentalidade está evoluindo, mas ainda falta um bom caminho pela frente até que afete menos a chegada de mais mulheres a C-Level.

As empresas hoje estão mais acolhedoras nesse momento? Se não, qual o caminho para se tornarem acolhedoras?
Este estudo da FGV – Fundação Getúlio Vargas, aponta que dentre 247 mil mães da amostra, 50% foram demitidas após, aproximadamente, dois anos da licença maternidade – uma situação gravíssima.
As empresas estão apenas começando a ter um maior nível de consciência, com exceção daquelas que já são mais voltadas para o público feminino, como por exemplo, as do segmento de venda-direta, cujo quadro feminino é a maior parte dos colaboradores. Mas o mercado em geral ainda não oferece a possibilidade de ter creches na própria empresa, como a Pernambucanas, Avon e Natura oferecem, por exemplo. Isto tranquiliza a mãe, permitindo que o bebê fique lá por até 2 anos. A maior parte das empresas não facilita a maternidade.

O novo levantamento da Nielsen sobre as mulheres brasileiras realizado em parceria com a Opinion Box, empresa de pesquisa de mercado, é que 75% das mulheres afirmam que a gravidez é usada como razão para questionar seu trabalho, e 88% acreditam que a possibilidade de engravidar é considerada um motivo para não às contratar. Por conta disto, 50% das mulheres afirmaram que sentem medo, justamente pela discriminação que ocorre no mercado.

Os dados também revelam que nas entrevistas de emprego, 75% das mulheres são perguntadas se têm filhos em processos seletivos, contra 69% dos homens. Além disso, 52% delas afirmam terem sido questionadas sobre onde deixariam seus filhos durante o trabalho, e 23% disseram que esse tipo de pergunta gerou desconforto na entrevista, obviamente.
Devido a este cenário horripilante, 45% das mulheres demoram cerca de 3 meses para retornar às suas atividades profissionais, apesar de ter direito a 6 meses. A lei que deveria proteger as mães, acaba por se tornar uma ameaça ainda mais forte de demissão, seja porque neste longo período ela pode ser substituída por alguém de forma permanente, ou por sentir-se já desatualizada e “fora do jogo” depois deste tempo. De nada serve mudar leis sem mudar a mentalidade instalada nas pessoas.

Caminhos para que as empresas se tornem mais acolhedoras: creches no local de trabalho ou parceria com creches próximas ao local de trabalho, maior contratação de mães, promoção durante a gravidez (presenciei a Avon fazer isto desde 14 anos atrás!), treinamento das lideranças para mudança de mentalidade, acabar com a discriminação nas oportunidades de crescer na carreira e porque não desenvolver estudos que de fato avaliem a capacidade produtiva de mães para acabar com este preconceito.
Ter me tornado mãe só impulsionou minha carreira, por isso faço questão até hoje de priorizar as mães na contratação, na contramão do mercado.
Paciência é que, nós mães, já não temos mais esta mentalidade injusta de discriminação. Deve caber a mulher o direito de escolher qual seu ritmo de trabalho após a maternidade.

Quais os principais conselhos que daria a essa mulher para que volte com mais segurança? Ou que estratégias indica para continuar crescendo na carreira?
O mais desafiador é estar presente nas duas funções: de mãe e profissional, devido ao sentimento de “culpa” por nem ser uma mãe em 100% do tempo, e tampouco uma profissional em tempo integral. A culpa impede a presença, estar em casa pensando no trabalho e vice-versa só tiram o foco e perde-se qualidade.

Eu caí nesta armadilha, só me dei conta, anos depois de me sentir a pior mãe e pior profissional que as de tempo integral, que o tão sonhado equilíbrio não é como uma balança com 50% em cada lado. A solução estava em agir como um surfista que tem que estar presente para não cair da prancha, ciente que ele só permanece em pé sobre a prancha porque se reequilibra o tempo todo e que não pode desperdiçar a oportunidade de surfar “aquela” onda. Não podemos desperdiçar aquele momento com nossos filhos, assim como também existem momentos que não se pode desperdiçar no trabalho, e está tudo bem oscilar entre um e outro, desde que quando se está num lado, haja presença e a consciência de que em breve estará no outro papel. E ter clareza de prioridades. Esta é a primeira estratégia.

Exemplo prático: se tiver que levar trabalho para casa, combine com sua família quanto tempo usará para ele. Depois, feche o computador e foque na vida pessoal.

A segunda estratégia é tirar proveito da maturidade e inteligência emocional que a maternidade traz. Ser mãe é fazer MBA em liderança. Minha carreira deslanchou após a maternidade, justamente porque para crescer na carreira é necessário entender de gente.

Terceira estratégia é saber que a maternidade amplia a capacidade de gerir tempo e recursos, algo muito valioso para qualquer profissional que deseja crescer na carreira.

Por fim, as mães em geral têm menos tempo disponível para desperdiçar, porque sabem que ele é limitado e precisam dar conta das duas funções e isto aumenta a produtividade. Se as mães e as empresas tiverem consciência disto, a maternidade pode até se tornar um acelerador na carreira.

Como criar redes de apoio para esse momento?
É fundamental ter uma rede de apoio, pode ser familiar ou contratada. O primeiro desta lista deve ser o(a) cônjuge! De qualquer forma, devem ser pessoas de confiança que ajudem no dia a dia e em caso de alguma emergência em casa, e no trabalho. Tem também a rede de apoio psicológica: amigas, mães, terapeutas e obstetras que podem ajudar as mães principalmente nos primeiros anos da criança e especialmente nos primeiros meses. Tive depressão pós-parto por exaustão: minha filha dormia muito mal devido a cólicas, e eu não dormia. Descobri o quão comum é ter depressão nesta época. Foi meu ginecologista/obstetra que identificou o problema e me ajudou na recuperação.

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